A obra guilty steps de Bordalo II choca pela sua simplicidade e impacto profundo. Trata-se de uma crítica feroz à indiferença vivida no contexto da sociedade atual no que respeita à guerra e aos direitos humanos e interpela o público questionando o valor das nossas ações individuais.
Este estilo direto de abordagem ativista é já característico
de Bordalo II, como podemos observar ao longo dos seus trabalhos mais recentes
sobre temas como o abuso sexual de menores pela igreja católica portuguesa ou a
utilização de dinheiro público para o financiamento das jornadas mundiais da
juventude. Na verdade, todo o seu trabalho se relaciona intensamente com uma
intervenção social, o que é acentuado nomeadamente pela utilização recorrente
de materiais reciclados (recolhidos na rua) nas suas obras e o frequente tema
animal que entrecruza os mundos natural e industrial, com o contraste entre o
impacto visual dos tons vívidos do plástico, com as suas formas trapalhonas e
agudas, e os tons terra esbatidos que quase se misturam com a paisagem. Em
adição a isto, os seus trabalhos têm sempre uma relação intensa com o espaço
urbano tomando parte dele de forma híbrida e orgânica sem nunca perder aquele
impacto característico que chama à atenção.
Estas características fazem-se notar também na sua recente
obra guilty steps a qual ilustra a bandeira da Palestina pintada numa escadaria
à saída da estação de comboios de Santos, em Lisboa. Aqui, o verdadeiro twist
está na interatividade: a tinta da parte vermelha da bandeira encontra-se
fresca de modo a que os passos dos transeuntes vão deixando pequenas pegadas
vermelhas no seu caminho cobrindo o restante da bandeira de vermelho e manchando
a área circundante. A criação foi apresentada na forma de um timelapse
em que assistimos ao apagamento gradual da bandeira Palestina simbolizando
assim o apagamento do seu povo e o rasto de sangue que dele permanece perante
da indiferença mundial e por causa dela.
De um modo geral, esta obra leva-nos a refletir sobre o
verdadeiro potencial da arte urbana enquanto um elemento que vive e interage
com o público e o papel que este pode ter na própria obra e nos assuntos que
lhe dão tema e razão de existir, fechando algum do distanciamento entre a arte
e o seu objeto e mostrando-nos mais uma vez que, como disse Desmond Tutu, ser
neutro em situações de injustiça é estar do lado do opressor.