terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Guilty steps Bordalo II

A obra guilty steps de Bordalo II choca pela sua simplicidade e impacto profundo. Trata-se de uma crítica feroz à indiferença vivida no contexto da sociedade atual no que respeita à guerra e aos direitos humanos e interpela o público questionando o valor das nossas ações individuais.

Este estilo direto de abordagem ativista é já característico de Bordalo II, como podemos observar ao longo dos seus trabalhos mais recentes sobre temas como o abuso sexual de menores pela igreja católica portuguesa ou a utilização de dinheiro público para o financiamento das jornadas mundiais da juventude. Na verdade, todo o seu trabalho se relaciona intensamente com uma intervenção social, o que é acentuado nomeadamente pela utilização recorrente de materiais reciclados (recolhidos na rua) nas suas obras e o frequente tema animal que entrecruza os mundos natural e industrial, com o contraste entre o impacto visual dos tons vívidos do plástico, com as suas formas trapalhonas e agudas, e os tons terra esbatidos que quase se misturam com a paisagem. Em adição a isto, os seus trabalhos têm sempre uma relação intensa com o espaço urbano tomando parte dele de forma híbrida e orgânica sem nunca perder aquele impacto característico que chama à atenção.

Estas características fazem-se notar também na sua recente obra guilty steps a qual ilustra a bandeira da Palestina pintada numa escadaria à saída da estação de comboios de Santos, em Lisboa. Aqui, o verdadeiro twist está na interatividade: a tinta da parte vermelha da bandeira encontra-se fresca de modo a que os passos dos transeuntes vão deixando pequenas pegadas vermelhas no seu caminho cobrindo o restante da bandeira de vermelho e manchando a área circundante. A criação foi apresentada na forma de um timelapse em que assistimos ao apagamento gradual da bandeira Palestina simbolizando assim o apagamento do seu povo e o rasto de sangue que dele permanece perante da indiferença mundial e por causa dela.

De um modo geral, esta obra leva-nos a refletir sobre o verdadeiro potencial da arte urbana enquanto um elemento que vive e interage com o público e o papel que este pode ter na própria obra e nos assuntos que lhe dão tema e razão de existir, fechando algum do distanciamento entre a arte e o seu objeto e mostrando-nos mais uma vez que, como disse Desmond Tutu, ser neutro em situações de injustiça é estar do lado do opressor.