sexta-feira, 7 de dezembro de 2018
O pequeno (grande) poder
Nos comboios, nos bares, no Médio Oriente, nas ruas, em casa, na cozinha, na América, nas escolas, na China, nos livros, nas histórias de encantar, em África, na política, na vida profissional, nos restaurantes, na Europa, esse gigante da evolução. Onde é que podemos encontrar a igualdade? Onde podemos encontrar o respeito pelo feminino? Nos sítios acima referidos não é, por certo. O poder propaga-se de geração em geração, esse poder que é a cultura, mas que cultura essa que louva o homem e despreza e diminui a mulher? É comum a todas as culturas a valorização do bom, da vida e do saudável, segundo Levi Strauss. Como é então possível que exista desigualdade, sendo que são necessários uma mulher e um homem para gerar algo bom, ou seja, a vida?
Ora, o “segundo sexo”, aquele que é aparentemente o mais fraco, é o mesmo a quem são exigidos milagres, enquanto o primeiro pode simplesmente existir e já estará a ser aplaudido. “Deves ser bonita”, dizem os media, “uma mulher quer-se bonita e com um aspeto desejável”. “Torna-te desejável e chamar-te-ão nomes”, dizem as mães às filhas, preocupadas com a reputação das mesmas e com aquilo que a sociedade poderia pensar, se a saia fosse um palmo mais curta. “As senhoras não pagam esta noite a entrada”, dizem as discotecas e bares, objetificando a mulher e tornando-a apenas um isco. “Uma mulher tem que se dar ao respeito, se eu o fiz, foi porque ela estava claramente a mandar-me sinais”, dizem os violadores, defendidos pela justiça. Contradições diárias, o sexo feminino é diariamente bombardeado com informações diferentes e incongruentes. Esta supremacia masculina é transmitida através do quotidiano, através dos órgãos de comunicação social e da cultura, esse fruto da evolução humana que nós maldizemos e bem-dizemos sem termos exatamente palavras para descrever o fenómeno, já que até estas fazem parte do mesmo. O mais triste deste processo de alienação e de afastamento do que supostamente seria a civilização, o respeito, é a reificação da metade que também permitiu a evolução (notória através de casos de abuso justificados com base na interpretação subjectiva do sexo masculino de um dado momento, que se eleva a verdade absoluta), mas que não consegue sequer existir conceitualmente sem o masculino. “Um porco fêmea”. E porque não uma “porca macho”? Porque é que o nome naturalmente se utiliza no masculino e é o adjetivo “fêmea” que o define? O feminino não precisa do masculino para se definir, mas enquanto tudo à nossa volta indicar que o sexo feminino parece (ou tem?) que estar dependente da vontade volátil e circunstancial do sexo masculino para existir, que, por vezes, diz “Sê boa menina como as outras” e noutros diz “Sê diferente, sê tu própria, os homens gostam mais de autenticidade”, a supremacia masculina existirá sempre e a desigualdade manter-se-á.
Por fim, a grande questão que se coloca é: Será possível parar o pequeno poder que todas estas afirmações aparentemente inócuas e proferidas por todos em todos os momentos contêm? Quantos séculos é que demora a (verdadeira) evolução?