quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Só vim falar de calças


As calças. Hoje em dia usá-las não significa, aparentemente, nada, mas em tempos esta simples peça de roupa gritava revolução. Antes da Revolução Francesa revelava-nos a vida árdua e trabalhosa de quem as usava e, durante a mesma, as calças tornaram-se o símbolo dos revolucionários, os sans-culottes. A partir daí o seu uso foi-se normalizando, gradualmente, e pessoas de classes mais altas começaram a usá-las. Contudo a sua utilização não foi totalmente generalizada, continua a ser considerada uma peça de roupa masculina.
Não foi até aparecerem as calças de ganga, no final do séc. XIX, que o uso das calças se difundiu ainda mais; não importava a classe social ou o género do indivíduo, todos as usavam. Os elementos de vestuário estão divididos entre masculino e feminino (o que é aceitável uma vez que a forma do corpo é diferente), contudo encontramos sempre mais variedade de modelos para as mulheres. E parece que para as mulheres todas as peças vêm ainda com uma imposição ou requisito anexado. Para os homens temos algo do género: “Há aqui três modelos diferentes de calças, escolhe as mais confortáveis e que mais gostes!”. Já para as mulheres as regras de escolha são um bocadinho diferentes… És muito magra? Devias usar estas calças! És gorda? Tens que usar este modelo! Tens barriga e ancas largas? Não temos um modelo que te sirva. Tens um rabo pequeno? Usa estas calças push-up!
Em geral, a roupa de senhora é mais apertada, mais reveladora e mais desconfortável que a de homem, mas as calças ilustram melhor este flagelo. São sempre mais justas e, mesmo os modelos “largos”, pretendem realçar alguma coisa no corpo feminino; nunca se está apenas a vestir umas calças, tem de se exibir algo. Já para não referir o típico caso dos bolsos. Os bolsos das calças de homem parecem o bolso mágico do Doraemon, enquanto nas de mulher quase nem cabe um pacote de pastilhas. Isto é, quando têm bolsos sequer.
Apesar de as calças serem para todos ainda temos presente a ideia de que quem trabalha é que usa as calças e que estas são roupa de menino, enquanto as saias é que são roupa de menina. Todos conhecemos a velha expressão “Quem usa as calças lá em casa?”, que é como quem pergunta “Quem é que manda lá em casa?”. Hoje todos usamos calças, mas nunca vamos usar as mesmas. As mulheres ficaram com as calças pré-revolução, isto é, trabalham mais, recebem menos (cerca de 16,7%) e ficam com os trabalhos mais precários. Já os homens vestem as calças modernas, ocupando cargos mais altos, ganhando mais e acumulando menos horas de trabalho doméstico.
Parece que para as mulheres as calças são sempre fabricadas com segundas intenções, inúmeros pré-requisitos e preços que não combinam com o tamanho dos bolsos. Enfim, ficamos sempre com os bolsos mais pequenos, até no mundo têxtil ficamos a perder.