domingo, 4 de dezembro de 2022

Burnout

    Numa sociedade atual, imbuída da mentalidade onde o trabalhador é apresentado como um contador das suas horas de trabalho e um espelho do produto do seu trabalho, o conceito de “burnout” torna-se cada vez mais prevalente, sendo Portugal um dos países com maior risco entre estados europeus, segundo um estudo onde se tiveram em conta os cálculos tendo por base o índice de felicidade mundial de cada país, o salário médio anual e as horas de trabalho semanais. (Fonte: https://smallbusinessprices.co.uk/european-employee-burnout/)

    O termo “burnout” define-se pelo desgaste, stress ou exaustão que advém de excesso de trabalho. É, neste sentido, que é necessária uma reflexão do trabalhador perante o que Marx refere como uma relação direta entre a valorização do mundo das coisas e a desvalorização do mundo dos Homens. [1] É possível tecer uma relação entre o trabalhador e o produto que concebe, numa ligação que se torna cada vez mais unilateral dada a normalização de uma procura dentro do trabalho de um propósito vital. O trabalhador fica preso ao seu trabalho por via da sua própria inabilidade de se separar quase parasitariamente do seu objeto de trabalho.

    O indivíduo atual vai para além da sua necessidade de conformidade com o objeto, procurando investir mais de si, numa livre autoexploração de si mesmo. Byung-Chul Han dá conta desta realidade e dá exemplos de algumas motivações que possam estar na causa deste "sacrifício voluntário” laboral: a incerteza de um mundo em constante mudança, o contacto permanente com todos os países que nos faz querer pertencer ao grupo dos melhores ou que nos faz sentir responsáveis por todos os desastres do planeta, o prazer de nos sentirmos reconhecidos…

    Há aqui uma falsa liberdade que é dada, no sentido em que o indivíduo se explora de seu próprio livre arbítrio, numa exploração mais eficaz do que feita por terceiros. Neste caso, o trabalhador explorado é simultaneamente vítima e agressor, deixando de existir uma distinção entre ambos. [2]

    Devido a esta falsa autonomia de decisão se, eu, enquanto trabalhador, trabalhar durante mais um número determinado de horas num projeto de livre vontade estarei a fazê-lo não pela sua necessidade perante o trabalho, mas no seguimento de um ideal que motiva ao trabalho até ao ponto de “burnout”, através da promessa de que por meio do trabalho árduo, se possa viver uma boa vida, tanto num sentido de uma comodidade financeira e material, mas também de uma vida com propósito e dignidade social.

    É desconcertante e paradoxal que vivendo num mundo com muito mais possibilidades de acesso a informação, conhecimento e recursos do que as gerações e sociedades anteriores, se viva mais infeliz e mais débil.



[1] Karl Marx (1993) «O Trabalho Alienado» in Manuscritos Económico Filosóficos. Lisboa: Ed, p.159.
[2] Byung-Chul Han (2014) «A Sociedade do Cansaço», Relógio D’Água, Lisboa, p. 23.