D Drugdealers
Há uns dias um amigo meu contou-me que teve de desinstalar a aplicação do TikTok, porque se viu completamente viciado. Desde então, como que em modo ‘piloto automático’ deu por si, inúmeras vezes, durante os intervalos das aulas, a pegar no telemóvel e mecanicamente clicar no antigo espaço do ecrã, que antes estava preenchido pelo ícone da app, apercebendo-se que essa já lá não estava.
A realidade do meu amigo, fez-me reflectir sobre o propósito e as consequências das redes sociais, colocando-me a seguinte questão: Como e porque é que as redes sociais são concebidas para serem tão viciantes?
Como?
O nosso comportamento digital está constantemente a ser analisado através dos algoritmos, que continuamente são modificados para acompanhar as nossas preferências e prender a nossa atenção, quando navegamos pelo mundo virtual da internet. Algumas destas interações, manifestam-se através dos ‘recomendados’ do Youtube, o ‘Para Si’ no HBO; o botão de ‘reprodução automática’ que nos tenta com o temporizador (3, 2, 1) e passa para um novo episódio; a opção de refresh que, atualizando o feed, se assemelha a um slot machine; ou ainda os reforços positivos constantes que recebemos ou somos convidados a fazer, através de likes, comentários, partilhas, seguidores. No entanto, porque será que tudo isto acontece?
Porquê?
‘Atenção’ é sinónimo de ‘Lucro’. As empresas pagam às redes sociais para publicitarem os seus anúncios e o trabalho das redes sociais é expô-los ao maior número de visualizadores possível. Nesta lógica, claro que quanto mais atenção tiverem dos utilizadores mais lucrativas serão as propostas publicitárias, através dos seus potenciais compradores. Por isso, o objetivo é ser o mais viciante possível.
O truque para captar a nossa atenção é uma conhecida da neurociência: dopamina. A dopamina está associada aos 'centros de prazer' e à antecipação da recompensa, tendo um papel crítico em funções do sistema nervoso central como o humor e a motivação [1]. Deste modo, o cérebro aprende rapidamente quais as atividades que nos dão a maior quantidade de prazer com o mínimo esforço. Afinal, o que parece melhor: correr um quilómetro ou ficar uma hora a 'scrollar'?
Metaforicamente, as redes sociais podem ser consideradas carteis de droga. Motivam-nos a ser influencers, i.e, a trabalhar para eles. Por consequência, nós deixamo-los usarem-nos, ajudamo-los a reter a atenção dos utilizadores e a distribuir eficazmente o prazer, a droga e o vício. Inconscientemente, passamos a ser os seus drugdealers.
O influenciador digital (influencer) é um indivíduo que possui um público fiel e seguidor assíduo dos seus canais, páginas e publicações online e, de certa forma, exerce uma determinada capacidade de influência na tomada de decisão dos utilizadores enquanto compradores. Segundo a revista Forbes [2], o termo influência, neste contexto, está diretamente relacionado aos seguidores com quem o influenciador compartilha conteúdo.
Consequências?
Tornamo-nos viciados em dopamina e, como qualquer droga, na sua ausência, ficamos irritados e impacientes. As expectativas e os estereótipos presentes tornam-nos mais frágeis, provocando ansiedade e depressão. As ideologias impostas influenciam-nos subliminarmente. Tornamo-nos apáticos, aceitando tudo sem a mínima resistência.
Mesmo sabendo disto, continuamos a usá-las e, muitas vezes, não somos como o meu colega que põe o pé no travão. Continuamos, porque numa vida aparentemente aborrecida, o nosso maior prazer são os ‘shorts’ do Youtube, os tiktoks ou os stories.
N. de A.: Com este texto tive como objetivo refletir sobre a maior indústria cultural que existe no mundo: as redes sociais e as plataformas de streaming. O título é um pun criado intencionalmente. Sendo uma abreviação de dopamine drugdealers, apresenta um duplo significado, que enfatiza o seu estatuto, já que é lida como the drugdealers.
[1] https://www.lusiadas.pt/blog/prevencao-estilo-vida/bem-estar/glossario-dopamina-serotonina-como-cerebro-impacta-saude
[2] https://www.forbes.com/sites/forbescommunicationscouncil/2019/04/10/influencers-is-this-marketing-buzzword-something-you-need/#c0c15284e557