sábado, 31 de dezembro de 2022

Os Pobrezinhos

Mafalda - Quino

A tira apresentada é retirada da banda-desenhada Mafalda, de Quino. Escolhi-a porque, à luz da teoria do mito de Roland Barthes, é um bom exemplo da desmistificação das ideias míticas. Neste caso, é nos apresentado um significante: o discurso de Susanita sobre a pobreza e um significado: a elevação moral do sujeito caridoso. Este primeiro sistema semiológico é na realidade um mito que Quino pretende rejeitar.

Segundo Barthes, para desmascarar o mito, apontá-lo e revelar a verdade não é uma técnica eficaz, porque o mito se irá apropriar deste novo discurso. Barthes propõe a criação de um novo sistema semiológico que, tal como o mito rouba a linguagem, deforma o discurso mítico. Para isso, o novo sistema deve transformar o signo mítico em significante: ponto de partido do novo sistema semiológico.

Creio que é precisamente esta a abordagem de Quino. O mito descrito é tornado significante e é criado um novo significado: o olhar paternalista sobre a miséria. Quino revela que o sentimento caridoso torna os pobres num instrumento de autossatisfação, que os infantiliza. Mostra que a caridade não olha para os pobres como cidadãos com os mesmos direitos. Ela pretende perpetuar a sua condição e não fornecer as ferramentas necessárias para a sua emancipação. Este olhar sobre a miséria serve apenas para justificar a posição social dos privilegiados e responsabilizar os de baixo pela sua condição.