terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão

    No dia 22 de dezembro, os estudantes do Instituto Superior Técnico receberam um e-mail do seu presidente a anunciar o encerramento de um bar e de uma cantina no campus da Alameda, depois de acabar o contrato com a empresa que explorava as infraestruturas. Talvez em comemoração da quadra natalícia, este fecho vem acumular-se à entrada para obras da cantina social, inativa desde junho. A crise alimentar já vivida pelos estudantes, professores e funcionários irá piorar significativamente no início de 2023, numa altura já marcada pela subida generalizada dos preços, perda de poder de compra e agravamento das condições de vida. Como solução, o Conselho de Gestão, com o apoio da Associação dos Estudantes, apresentou um programa inovador de oferta alimentar – um Grab&Go financiado pela Galp, uma cadeia de barracas fast-food nos jardins da faculdade, e a valorização dos serviços de entrega da Glovo e da UberEats. Esta plano peca apenas pela sua falta de sarcasmo, podendo vir a ser uma boa piada. Falta aos intervenientes da decisão uma visão da alimentação como direito fundamental na vida de um estudante, cidadão e ser humano.

    A alimentação consagra-se como necessidade básica para o funcionamento de qualquer organismo vivo, que transforma os nutrientes do alimento em energia. O ser humano não se escapa, e ganha ainda com o longo processo de socialização a que foi sujeito desde os inícios da História. A alimentação tornou-se uma fonte de cultura, através do desenvolvimento de técnicas e tradições regionais, produzindo a riqueza da culinária que hoje observamos na açorda de uns e na açorda dos outros. Dito isto, uma sociedade de classes compartimentalizada tem outros desejos – a transformação da alimentação numa mercadoria, um produto consumível como outro qualquer, é uma tarefa imprescindível para o capital e para as estruturas que este cimenta. A precarização e a fome são efeitos irrecusáveis desta ideologia, consolidadas nas nossas cidades e nos nossos bairros. Num regime dito democrático, é dever de qualquer instituição de caráter público o combate à mercantilização desses direitos fundamentais. Uma universidade tem de ser capaz de oferecer um prato social saudável e acessível; um prato diversificado e consistente, que valorize a produção local, cozinhado em condições de trabalho dignas. Estas são demandas constantemente e deliberadamente esquecidas pelos órgãos de gestão das nossas instituições de ensino superior, em prol duma política virada para o lucro construída em conjunto com as empresas nacionais e transnacionais detentoras dos grandes monopólios. Uma realidade que, embora já antiga, se vem consistentemente a afirmar nos dias de hoje.

    Não irão faltar obstáculos à supressão dos problemas vividos pelos estudantes do ensino superior público em Portugal. Neste âmbito, todos ralham mas há sem dúvida quem tenha razão – os estudantes revoltados capazes de atacar a natureza dos seus problemas e transformar a sua realidade através da luta.