A alimentação é um processo vital na vida do ser humano. Não tenho um extenso conhecimento daquilo a que chamamos Pré-História; no entanto, penso que é facilmente aceite se afirmar que por diversas situações intuitivas e pela transmissão de conhecimento de geração em geração ao longo da nossa História, o ser humano foi aprendendo aquilo que pode ou não ingerir. Além disso, a determinado momento aprendemos algo que mudou para sempre o modo como nos alimentamos: o cozinhar. A primeira evidência do ser humano cozinhar os alimentos data de cerca de 800,000 anos[1], apesar de ser possível ter começado antes. Como vimos numa das primeiras aulas da UC Cultura Visual, Lévi-Strauss considera o ato de cozinhar um elemento distintivo dos seres culturais: a culinária é uma manifestação extraordinária de arbitrariedade cultural. Mais distintivo ainda será a prática generalizada de, na grande maioria das sociedades atuais, ocidentais ou orientais, nos reunirmos à volta da mesa.
Contudo, aquilo que se pode observar nos nossos dias é uma
desvalorização e, porventura, uma dessacralização do momento da refeição. Na
correria do dia-a-dia, é comum tomarmos o pequeno-almoço sozinhos, almoçarmos
sozinhos, lancharmos sozinhos, jantarmos sozinhos. E a solidão é um sintoma de
como levamos a nossa vida. Tomamos o pequeno-almoço “a despachar” porque
adormecemos e não podemos chegar atrasados à escola/faculdade/trabalho/outro; a
meio das nossas atividades matinais, podemos comer umas bolachas, algo que nos
tire a sensação de fome até à hora do almoço. Almoçamos acompanhados de amigos
ou colegas, muitas vezes por uma questão de conveniência, isto é, porque são
aqueles que, naquele determinado período da nossa vida, estão no mesmo contexto
espacial que nós. Ainda assim, também não são raras as vezes que colegas de um
mesmo trabalho almoçam cada um no seu canto. O lanche é semelhante às bolachas
do meio da manhã e tantas vezes acontece ao mesmo tempo que trabalhamos. Ao
final do dia, jantamos “em família”, o que significa que cada um janta quando
tem fome e em tempos diferentes, devido aos diferentes horários dos elementos
da família.
Inconsciente e paulatinamente, temos vindo a perder uma
dimensão que é, na minha opinião, essencial: a comensalidade. Comensal é uma
palavra que nos chega do latim commensalis[2], constituída por cum (= com) e mensa (= mesa). Comensalidade é, assim, a ação de se alimentar
habitualmente à mesma mesa. Comensalidade refere-se não somente ao ato de comer
e o que se come, mas ao modo como se come. A comensalidade reflete um momento
em que partilhamos aquilo que nos permite continuar a viver, isto é, os
alimentos. Ou seja, ao nos reunirmos em volta de uma mesma mesa (sendo já essa
uma atitude arbitrária), estamos a partilhar aquilo que é vital para nós. Ainda
assim, a comensalidade manifesta que aquilo que é vital ao ser humano não é só
o alimento que tomamos, mas também o caráter social do ser humano. Por isso, o
momento da refeição é um momento privilegiado de partilha, propício à
socialização, ao desenvolvimento das nossas relações sociais, sejam elas
relações familiares, de amizade, de trabalho, etc. A refeição é um momento em
que colocamos aquilo que temos à disposição do outro; é um momento que
contraria o egoísmo em que tantas vezes caímos.