Recentemente, sentada à mesa de jantar e entre anúncios durante o horário nobre da televisão, apercebi-me da quantidade absurda de publicidade feita a produtos de cosmética em que é recorrente a exibição de um modelo feminino, o que torna óbvio que têm as mulheres como o seu principal público alvo. Após comentar: “Já repararam como a maior parte dos anúncios de cremes anti envelhecimento são direcionados para as mulheres?”, recebo um suspiro de quase incredulidade por parte da minha mãe: “Claro, porque são as mulheres que os usam”.
De certa forma, fará sentido, certo? Direcionar estes anúncios para as mulheres, uma vez que, são as mulheres as principais investidoras em produtos de beleza.
Depois comecei a pensar na prateleira da minha casa de banho, na coleção de cremes que a minha mãe guarda nela e de como ela muitas vezes, em tom de gozo, diz ser minha irmã, como diz, com orgulho, que a senhora da caixa do supermercado ficou espantada quando lhe revelou a sua idade. Mas não é assim tão estranho ficar feliz com uma coisa dessas, é sempre uma coisa boa, parecer-se mais nova do que aquilo que realmente se é. Será? Porque o levamos como um elogio?
Em certas culturas a idade chega até a ser entendida como algo positivo, como um acumular de sabedoria, um alcançar de estatuto. Na sociedade ocidental, contudo, é visto como um bicho de sete cabeças que deve ser escondido na cave, longe dos olhos de toda a gente.
Comecei, inevitavelmente, por pensar nas questões de género: como é frequente as mulheres entenderem o envelhecimento como algo negativo, como têm pavor dos vincos na testa, do gradual embranquecimento do cabelo - como o sinal da idade é algo que se deve esconder, evitar até, porque constitui uma insegurança. Penso como, todos os meses, vou a casa da minha avó pintar-lhe o cabelo porque as raízes estão a começar a crescer e dá um “aspecto desleixado”, no entanto, em 20 anos de vida, sempre conheci o meu avô com o seu cabelo branco. Um simples cabelo branco é capaz de despertar uma crise existencial numa mulher, no entanto, nos homens é entendido como um símbolo de maturidade.
(Espelha, de certa forma, o momento em que começam a aparecer os primeiros sinais de crescimento da barba num rapaz, um momento de emancipação na vida do adolescente que se torna num homem. No entanto, o aparecimento da mais ligeira penugem nas pernas de uma rapariga, nas axilas, é o despertar de um problema, de um peso com o qual terá de começar a lidar daí em diante.)
“Eles não ligam a essas coisas.” Correto. Não ligam porque têm esse privilégio, o de não ter de se preocupar com “essas coisas”. Porque têm o luxo de não ser alvo de incessante escrutínio.
“Porque são as mulheres que os usam” - Aquilo que é entendido como um comportamento natural, uma reação normal por parte da mulher face à idade, é antes uma resposta inconsciente a uma ideia que nos foi imposta por outrem, uma força que atua sobre nós mas é, no entanto, quase invisível. É uma ideologia partilhada coletivamente, pela sociedade, apesar de imperceptível por estar tão enraizada nela, a de que a mulher deve ser um objeto de desejo e esse desejo advém da sua beleza, da sua juventude - da sua vitalidade. Uma mulher que não é objeto de desejo torna-se, ela mesma, invisível aos olhos da sociedade.
Mas quem é que impõe esses mesmos ideais? Quem é que define o que é, ou não, uma mulher desejável?
Comecei este texto por mencionar a quantidade de anúncios com que as mulheres são bombardeadas diariamente: anúncios que nos vendem cremes para preencher as rugas, anúncios de iogurtes dietéticos que nos prometem uma barriga lisa, anúncios que nos vendem comprimidos e cápsulas para alcançar o peso ideal, … Anúncios esses que, ao exibir mulheres com peles perfeitas e corpos perfeitos nos forçam a colocar-nos, de forma inconsciente, numa posição de comparação.
As mensagens são, sobretudo, subliminares mas, a indústria cosmética, com a ajuda dos media, está a criar as nossas próprias inseguranças e a lucrar com elas.
“Quando a intensa pressão social torna alcançar a beleza como algo mandatório em vez de uma decisão que pode ser tomada de livre vontade, as práticas de beleza tornam-se socialmente coercivas, uma obrigação à qual as mulheres devem obedecer.”
(Forbes)
Desde os primórdios da publicidade que as mulheres têm sido representadas como meros objetos de beleza. Ao longo dos anos, os media têm assumido uma voz sexista que, com o tempo, se tem tornado cada vez mais subtil. A representação hipersexualisada da mulher através dos media tornou-se tão normalizada, tão imperceptível, que conseguem manipular os comportamentos das mulheres, ao promoverem ideais de beleza irrealistas e ao afetarem a auto-estima, a confiança das mulheres que, numa tentativa de corresponderem a estas expectativas que lhes são impostas, se vêem quase obrigadas a investir nestes produtos de beleza que lhe são vendidos porque os entendem como uma oportunidade de angariar respeito e a serem mais facilmente aceites pela sociedade, uma vez que a beleza está associada a uma maior popularidade, melhores relações e maiores oportunidades de emprego.
Consequentemente, estes anúncios estão , simultaneamente, a elevar as expectativas dos homens, a dessensibilizá-los, para que não se contentem com menos do que perfeição por parte das mulheres.
Um estudo revelou que uma mulher utiliza, diariamente, cerca de 16 produtos na sua face e um outro estudo, realizado pela companhia skinstore, expõe que uma mulher, ao longo da sua vida, gasta por volta dos trezentos mil dólares em produtos de cosmética para a pele.
O estudo “The Role of Social Comparison in the Effect of Magazine Advertisements on Women's Mood and Body Dissatisfaction.” ou “O Papel da Comparação Social no Efeito da Publicidade das Revistas No Humor das Mulheres e Insatisfação com o seu Corpo.” compara o humor das mulheres e a satisfação com o seu corpo antes e depois de assistirem a diferentes anúncios. O estudo concluiu que esta atividade aumentou os sentimentos negativos das mulheres participantes perante o seu corpo e que estes sentimentos eram resultado de uma comparação de si mesmas com as mulheres que acabavam de observar. A hipótese levantada por esses estudo era a de que a exposição a determinados ideais de beleza suscita, em mulheres mais vulneráveis, preocupações relacionadas com a sua imagem. Esses efeitos negativos eram causados pelas ideias irrealistas representadas pela publicidade e, portanto, concluiu-se que, grande parte das mulheres tem uma ideia distorcida de si mesma.
Gostaria de acabar esta pequena reflexão com a seguinte frase, uma que é famosa nas redes sociais:
“Men age like fine wine, women age like a glass of milk.”
A vida não é uma performance e, apesar de, desde tenra idade termos inúmeros pares de olhos postos em nós, mulheres não são performers. Não devia ser esperado que adotemos uma série de comportamentos pré determinados para podermos agradar a esta nossa "audiência".