sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A Beleza que nasceu do Crime

 

http://res.dallasnews.com/interactives/graffiti/img/art1.jpg

 Certo dia, há vários anos, acordei com algo que se calhar deixaria qualquer pessoa chateada e inquieta. Tinha uma grande parte do muro do terreno, ao lado da minha vivenda, pintado com grafiti. A pintura não tinha lá palavras visíveis, insultos, pessoas ridicularizadas, figuras obscenas ou sexuais, movimentos políticos ou insultos. Eram apenas traços, curvas e/ou figuras geométricas, com várias cores, e coladas umas às outras, quase como se formassem uma palavra numa caligrafia dificilmente inteligível, a ocupar um muro do meu terreno. Algo que era suposto ser considerado um ato de vandalismo, com direito a uma queixa policial, e que me deveria deixar irritado, simplesmente deixou-me perplexo.

 Esta história vai de encontro com a Retórica da Imagem de Roland Barthes, pois o mesmo afirma que as imagens trazem consigo significado e emoção, o que leva a diferentes perceções e diferentes maneiras de como a Imagem comunica com as pessoas. Neste cenário, um muro com grafiti  representa tanto um ato de vandalismo como também uma expressão artística, capaz de "apaixonar" o sujeito visual.

 O grafiti é usado na maioria das vezes como forma de vandalismo e propaganda de emoções e mensagens. As pessoas geralmente usam o grafiti nos muros das ruas, nas paredes dos edifícios, nas laterais dos comboios ou até mesmo em estátuas e monumentos culturais. É verdade que nem sempre as pinturas nesses sítios são efetivamente mensagens. Algumas são mesmo desenhos, figuras ou objetos animados, e, apesar de ser considerado à mesma vandalismo, por se tratar de pinturas não autorizadas, é possível ver nelas um valor artístico.

 Perguntei-me há quanto tempo é que aquele grafiti estava no muro. Ser feito numa só noite era o cenário mais provável. Afinal, a pintura não era propriamente muito pequena e invisível ao olhar. No entanto, foi feito num sítio que era pouco circulado e vigiado por pessoas. Durante a noite, com pouca luminosidade, qualquer pessoa, ou grupo de pessoas, poderia ter feito aquilo.

 De qualquer forma, nesse dia fiquei dividido. Claro que ainda era um jovem, acabado de entrar na vida adulta, e sabia que aquilo que pintaram na minha propriedade era errado, desrespeitoso e infeliz, e que teria que remove-la daquele sítio, mas por outro lado aquilo era tão criativo e fascinante, difícil de perceber ou relatar, que não me pareceu bem removê-lo. Tirar uma fotografia aquela pintura também não me pareceu bem. Poderia recordá-la para sempre, mas o seu valor enquanto imagem diminuiria. É como comprar um quadro de uma pintura famosa para tê-la em casa ou imprimir essa mesma pintura e emoldurá-la. Ambos têm preços diferentes, não só monetários como em valor. Deixá-lo naquele muro, poderia também ser uma decisão errada, pois poderia causar desconforto nas pessoas que lá viviam perto, ou causar a sensação de abandono daquela propriedade e despreocupação da manutenção e limpeza da mesma.

 Tomei a decisão de deixá-la no muro por algum tempo. Nos dias seguintes, sempre que fosse para a faculdade, tinha a preocupação de passar por esse muro pintado. Fiz disso rotina para não só me lembrar da importância da arte e expressão artística, como também por me fazer aperceber que apesar de não ser um "apreciador de arte", tanto eu, como qualquer outra pessoa que também não o seja, tem a(s) sua(s) sensibilidade(s) artística(s) e pode ser facilmente surpreendido como uma demonstração artística, como o grafiti, pinturas a óleo, desenhos com tinta, etc.

 Passados meses, o grafiti foi removido do muro, para o mesmo levar uma nova pintura, e ser pintado todo de branco, como antes. Essa decisão causou-me, novamente, uma sensação tanto de indiferença como de pena. A pintura já estava lá há meses, sem ninguém lhe acrescentar ou grafitar ao lado, o que quer dizer que quem fez a fez teve provavelmente o seu trabalho terminado, e o facto de ela já estar lá esse tempo todo, fez com que eu passasse a olhar para o muro e para a pintura como algo "banal", e que esteve lá desde sempre. A beleza, espanto e perplexidade que outrora senti, já se tinha desvanecido por completo. Por outro lado, lembrava-me dessas emoções que senti, e ver uma pintura com grafitis que eu admirei no passado a desaparecer, deixou-me com uma sensação de pesar, não só por ver algo que me fez "brilhar" os meus olhos desaparecer por completo, como também pelo facto de não se conhecer a pessoa cujas capacidades artísticas fizeram com que algo que é considerado por muitos um ato de vandalismo e insulto se tornasse um objeto de apreciação artística.

 Isto demonstra que quando o grafiti é usado de forma responsável, pode ser uma forma poderosa de arte, que causa emoções fortes nos espetadores, como qualquer outra forma de arte. Pode ser uma forma de chamar a atenção para questões importantes, ou de simplesmente tornar o mundo mais belo. No entanto, quando o grafiti é usado de forma irresponsável, onde causa danos a propriedades privadas, zonas turísticas, monumentos, etc. passa a ser uma fonte de medo, insegurança e revolta pelas pessoas que o assistem. É importante que o grafiti seja usado de forma responsável. Os artistas de grafite devem respeitar essas propriedades e zonas, e devem evitar pintar em locais onde possam causar danos ou insegurança.

 Se o grafiti fosse usado mais como forma de arte ao invés de vandalismo, poderia causar mais emoções positivas e poderia fazer as pessoas pensarem, sentir e agir, como também poderia tornar o mundo um lugar mais bonito e mais interessante.