No século XVIII, a revolução industrial impulsionou o crescimento da indústria têxtil, permitindo a produção em massa de tecidos e roupas. Com a invenção de ferramentas como o tear mecânico e, mais tarde, a máquina de costura a moda deixava de ser um luxo, acessível apenas às classes altas e à nobreza, estendendo-se então às massas. Ao longo do tempo com os posteriores avanços tecnológicos, a acessibilidade ao vestuário foi sendo cada vez maior, integrando-se na cultura do consumo e, com a terceirização da produção de roupas para os países com mão de obra mais barata, no século XX, a aceleração dos ciclos de moda tornou-se cada vez maior surgindo as coleções sazonais que tão rapidamente passam pelas vitrines das grandes marcas.
Como será então a vivência atual da moda?
Como é que a produção em massa de conteúdos de vestuário
afetou a nossa vivência deste tipo de manifestação cultural?
É importante perceber que a produção cultural não existe num
vácuo e, no caso da moda em particular, fatores de psicologia social tendem a
ser particularmente evidentes. Porque a minha roupa não é como um quadro que eu
tenho exposto em casa numa parede e que posso admirar confortavelmente na
distância (dissociado de mim), eu uso a minha roupa. O vestuário
é uma das poucas manifestações artísticas que toma a forma do sujeito, passa
horas junto ao seu corpo tornando-se quase indissociável do mesmo e por esta razão,
acaba funcionando como uma espécie de extensão de fatores de personalidade e
identidade. A identidade social de um indivíduo, por exemplo, e a sua pertença a determinados grupos sociais
e correntes estéticas é muito frequentemente manifestada através da roupa que
usa, pelo que esta face da moda não deve ser desconsiderada. Há também fatores
de conformismo e influência social que representam um papel importante no que
toca ao consumo de peças de vestuário contribuindo para uma certa uniformização
do modo de vestir dentro dos vários estilos.
Num mundo cada vez
mais marcado pelas redes sociais é apenas natural que este seja outro fator de
grande influência na área da moda também. A esmagadora maioria dos
utilizadores, conscientemente ou não, está constantemente a receber informação
sobre vestuário quer seja de forma direta (seguir influencers de moda e
beleza) ou indireta (como as roupas usadas pelos seus criadores de conteúdo
favoritos e com os quais se identificam). É aqui que nos deparamos com o que
considero uma era da reprodutibilidade massiva. A cativante estética dos ecrãs
e a minúcia dos algoritmos reproduzem seleções cuidadosamente orquestradas para
se enquadrar nos gostos de cada individuo o qual, por sua vez, caso veja alguma
peça que lhe agrada, terá toda a facilidade em adquirir uma igual. O fenómeno
por vezes espalha-se de tal maneira, que há correntes de criadores a falar
sobre como descobriram a mesma peça através de outros, que “viralizam” e
começam uma nova tendência. Escusado será dizer, dada a sua importância e
premente influência que estes meios não são desprovidos de publicidade e que o link
está sempre convenientemente disponível para quem queira comprar. De facto,
o tema da reprodutibilidade é tão presente no vestuário atual, que não nos é
estranho pensar que imprimimos estampas em camisolas quase como se de jornais
se tratassem e é frequente encontrar alguém com uma peça igual na rua sem que
isso seja motivo de surpresa. As consequências desta ocorrência na moda atual são,
no entanto, diferentes das que ocorrem na pintura por exemplo, já que
frequentemente as peças de roupa são criadas com este mesmo propósito e o único
contexto do qual necessitam é o do sujeito que as ostenta. No entanto dá-se
também o caso de haver algum valor ritual presente em determinados tipos de
vestimenta que se vai metamorfoseando quando o seu uso é retirado do contexto
ou banalizado.
Os tempos têm vindo a mudar, cada vez mais rápido e com eles a moda não é exceção da industrialização à produção em massa, passando para a cultura do consumo, a nossa vivência da moda tem-se transfigurado sendo hoje imensamente diferente do que era, nomeadamente, há 50 anos, antes do aparecimento e generalização das redes sociais. Se por um lado se perdeu alguma da raridade e valor ritual das peças de vestuário, por outro, tornou-se mais fácil encontrar roupas adequadas às mais variadas necessidades sem a inconveniência de ter de correr várias lojas presencialmente em busca de algo que cumpra os nossos requisitos. Quem sabe no próximo século qual será a vivência da moda enquanto arte e manifestação cultural que é… de qualquer das formas a certeza é uma (parafraseando Iris Apfel): a moda nós podemos comprar, mas estilo é algo que se tem.