Laura Mulvey, no seu texto "O Prazer Visual e o Cinema Narrativo", explora as normas "estabelecidas" da sétima arte, focando-se em grande parte na objetificação da mulher, que cai, muitas vezes, para o lado estético do filme. O espetador vê o filme na ótica do protagonista masculino, com um olhar hegemónico perante as personagens femininas.
O papel da mulher é frequentemente subvalorizado, com grande ênfase no desejo visual do protagonista masculino, que acaba por, direta ou indiretamente, perpetuar as normas sociais de género. Este patriarcado enraizado na indústria do cinema é bastante notório se juntarmos os inúmeros "close-ups" de partes intímas dos corpos das personagens femininas, no fundo todo a parte que envolve o chamado "fan service" (termo muito associado à indústria japonesa de animação - animes - que intencionalmente adiciona estes "close-ups" intímos, pelo simples objetivo de "entreter" o espetador).
Greta Gerwig, uma realizadora de cinema contemporânea, teve o seu 2023 marcado pelo êxito de bilheteiras que foi "Barbie". Um sucesso, aclamado tanto pela crítica como pelo público no geral, que, no fundo, não fala exatamente sobre a Barbie em si.
O enredo passa-se no mundo das Barbies, é "controlado" por Barbies, e estas de facto tomam grande controlo do ambiente que o espetador observa. No entanto, o filme leva-nos ao encontro precisamente deste patriarcado que é vivido no mundo real, onde Ken - o acessório de Barbie - tem um papel meramente expositivo; o tal lado visual, que é aplicado na indústria cinematográfica às personagens femininas pelos personagens principais masculinos, é agora invertido. As barbies têm personalidades, carácter desenvolvido, e tomam grande parte do tempo de exibição do filme, enquanto que os Kens são reduzidos à sua beleza e, até certo ponto, ao "comic relief" de algumas cenas do filme.
O filme acaba por desenvolver toda uma história à volta deste tema (Ken vai ao mundo real, vê como o patriarcado funciona, e decide implementar isso no mundo das Barbies), mas a ótica que quero abordar neste texto é precisamente a posição de destaque que Greta decide dar às Barbies. É um filme que começa e acaba com estas personagens femininas, é um filme que lhes dá o carácter que muitas vezes não foi tido em consideração noutros filmes.
Greta Gerwig é, aliás, reconhecida por este tipo de afirmações. "Lady Bird", de 2017, retrata a vida de uma adolescente com problemas de identidade, num meio bastante conservador. A abordagem a este filme é extremamente sensível, centrando-se, acima de tudo, nas experiências da personagem principal e nas suas dúvidas em relação à pessoa que quer ser. Também este filme é um excelente exemplo da realizadora a tentar quebrar normas numa indústria que parece não querer avançar. Cada vez mais há a consciencialização das mulheres, e do papel igual que deveriam ter em relação aos homens, e no entanto, continua-se a questionar se os maiores êxitos de bilheteiras passam, sequer, no teste de Bechdel (filmes blockbuster como "Pacific Rim" (2016) ou o primeiro volume dos "Avengers" (2012), por exemplo, não passam).
O prazer "voyeurístico" de que fala Laura Mulvey é quebrado em quase todos os sentidos em trabalhos de Greta Gerwig. É tempo de outros cineastas seguirem os mesmos passos.
