sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Olhares cinematográficos


       Male Gaze e Female Gaze no cinema | Transformers (2007) & Pride & Prejudice (2005)

  Após a leitura de excertos do ensaio "O Prazer Visual e o Cinema Narrativo" de Laura Mulvey, decidi refletir sobre a presença do Male Gaze no cinema contemporâneo tentando apurar se aquilo que Mulvey aponta no cinema dos anos 70 ainda se verifica nas produções atuais.

  Ao revisitar filmes que havia assistido, buscando identificar a presença do Male Gaze, apercebi-me de algo interessante. A maioria dos filmes que me ocorreram podiam ser divididos em duas categorias: aqueles produzidos para o público masculino e os destinados ao feminino. Essa distinção não era explicitamente mencionada na descrição do filme ou na sua categoria, mas sim no enredo, propósito e na construção das personagens, revelando uma clara dicotomia cinematográfica.

  Nos filmes voltados para o público masculino, como as diversas produções de "James Bond" e "Transformers", o enredo geralmente prioriza a ação em detrimento das emoções. São frequentes cenas heroicas e quase impossíveis, protagonizadas por homens fortes, aventureiros, destemidos e, por vezes, impiedosos. As personagens femininas, por sua vez, são retratadas como apêndices aos feitos do homem, valorizadas pelo olhar masculino em detrimento de sua profundidade e autonomia.

  Paradoxalmente, Hollywood promove uma falsa narrativa feminista, criando filmes centrados em personagens femininas fortes, como "Black Widow" e "Tomb Raider". Que, embora aparentem valorizar a independência feminina, estas personagens exibem  frequentemente uma forte carga sexual que raramente se justifica no enredo. São apresentadas como símbolos sexuais, vestindo roupas justas que pouco condizem com suas funções no filme, alimentando o voyeurismo masculino e reduzindo-as a objetos de desejo.

  Por outro lado, existem filmes direcionados ao público feminino, incorporando o Female Gaze. Este não se limita a ser uma mera antítese do Male Gaze. É um apelo pela igualdade, explorando a objetificação feminina e destacando o desejo por relacionamentos emocionais e complexos. Filmes como "Lady Bird", "Pride & Prejudice" e "Little Women" priorizam personagens femininas complexas, enquanto os personagens masculinos são retratados como maturos, emocionais e intelectuais, valorizando atributos tanto de personalidade como de aspeto. Aspeto este, por norma, oposto do visto como tradicionalmente masculino.

  A coexistência desses dois polos opostos no cinema contemporâneo é um fenômeno ambíguo. Enquanto perpetua a segregação por sexualidade com o Male Gaze, onde este tem um efeito diminuidor na mulher e continua a ditar o valor que esta vê si própria, a ascensão do Female Gaze, impulsionada pelo aumento de cineastas em Hollywood, representa um passo em direção à igualdade de gênero. Pelo que o ensaio de Laura Mulvey, apesar de continuar relevante e válido, pode agora ser atualizado para englobar esta nova corrente que surge e que traz para discussão uma perspetiva mais completa do fenómeno sexual no cinema.

  Esta dualidade, sem dúvida, persistirá e evoluirá, sendo tanto um desenvolvimento positivo quanto negativo. A segregação por sexualidade é aplaudida pelo mercado global, visto que impulsiona lucros que são o motor e o centro da indústria de Hollywood e não a arte e a importância cultural do que é produzido. Fica apenas a questão de para onde evoluirão? Será que o Male Gaze será atenuado pelo o crescente aumento da consciência e responsabilização por desigualdades em Hollywood? Ou tornar-se-á o Female Gaze dominante, objetificando homens para o prazer feminino? 

  Penso que com o tempo chegaremos à conclusão de que nenhuma destas possibilidades foi ou será alguma vez possível de se realizar…