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Figura
1: rookie. (20 de maio de 2017). Twitter. https://twitter.com/sewuigi/status/865709549193441281 |
Ultimamente quando vou a
concertos, apercebo-me de como a forma de os viver e aproveitar mudou nos
últimos tempos. Graças à tecnologia ao nosso dispor, é bastante fácil gravarmos
o concerto para posteriormente podermos rever as imagens e guardá-las como recordação,
mas surge uma questão interessante: será que as pessoas estão mais focadas em
filmar o concerto ou em realmente aproveitá-lo?
A tendência de filmar e fotografar tudo, estar com os
telemóveis sempre à mão, é notável nos concertos. No meio da multidão, é
difícil não notar uma parte significativa do público com os telemóveis
erguidos, concentrados em filmar o concerto em vez de aproveitar a experiência
única. E muitas vezes, muitas destas pessoas apenas estão a filmar o concerto
para partilhar as imagens nas redes sociais.
Podemos relacionar esta situação ao conceito de Marx e
Engels de "Ideologia como falsa consciência" e a "Retórica da
imagem" de Roland Barthes.
A conceção de "Ideologia como falsa
consciência" de Marx e Engels mostra que as crenças e visões do mundo pela
sociedade podem não refletir objetivamente a realidade, mas refletem as
perspetivas da classe dominante. Muitas vezes, as pessoas interiorizam ideias
que são aceites por grande parte da sociedade, mesmo que não seja o seu
verdadeiro ponto de vista. Isso significa que as ideias prevalecentes podem
distorcer a compreensão da realidade. Nesse contexto, as pessoas que filmam de
forma compulsiva durante os concertos podem estar inconscientemente a
interiorizar uma ideologia que valoriza a visibilidade online.
Atualmente as pessoas partilham grande parte das suas
vidas nas redes sociais, como viagens, passeios, experiências e concertos.
Muitas pessoas sem se aperceberem ficam muito dependentes desta partilha nas
redes sociais e sentem sempre necessidade de o fazer. Para muitas
pessoas, quanto mais likes se tem mais essa pessoa se sente aceite e notada.
Por esta razão estas pessoas podem sentir pressão para partilhar cada momento,
inclusive aqueles que deveriam ser apreciados de forma mais pessoal. A filmagem
constante nos concertos pode ser interpretada como uma expressão desse desejo
de validação, onde essa experiência é validada não apenas pela vivência do
momento, mas também pela sua partilha e visibilidade online.
A "Retórica da imagem" de Roland Barthes
destaca a capacidade das imagens de influenciar a perceção e visão das pessoas,
indo além da mera representação visual. Podemos aplicar a perspetiva de Barthes
a este tema. Essa perspetiva mostra que quando fotografamos ou filmamos um
momento não é apenas como lembrança, estamos no entanto a construir uma
narrativa visual. A experiência não é apenas o que aconteceu durante o
concerto, mas também passa a ser como essa experiência é percebida e interpretada
através das partilhas nas redes sociais. Ao filmar um concerto, as pessoas
selecionam e moldam a experiência para criar uma narrativa específica. Ao
escolhermos os momentos para filmar, os ângulos e a edição dessas filmagens,
estamos a tomar decisões que de certa forma criam uma versão da realidade
diferente da experiência vivida.
Este ano fui ao festival Meo Kalorama, e no concerto
de Florence
and the Machine reparei que grande parte da multidão estava com os telemóveis
na mão a filmar o concerto. No fim de uma das músicas a vocalista disse que
para continuar o público tinha de, naquele momento, largar e esquecer os
telemóveis. Aproveitar o momento em vez de gravar o momento. Logo, até a
vocalista, se sentiu de certa forma incomodada ao ver que grande parte do
público que a estava a ver estava a filmar em vez de aproveitar e apreciar a
música, porque ela está ali para cantar e partilhar o que gosta de fazer com o
público. Esse gesto de exigir que todos largassem os telemóveis para apenas
apreciarem o momento foi algo significativo, e nas músicas seguintes era
notável uma maior energia do público. Fez-me pensar, o que é que queremos ter como
recordação, um vídeo do concerto que podemos ver no Youtube ou a memória da
experiência do concerto?
Em conclusão, esta situação frequente nos concertos mostra que a barreira entre o real e o virtual pode ser tênue e, por vezes, até mesmo enganosa. Embora a tecnologia permita que gravemos os momentos como recordação, também coloca em risco a autenticidade das experiências. Ao estarmos sempre dependentes da tecnologia e estarmos focados em filmar o momento, podemos perder a oportunidade de simplesmente viver e apreciá-lo. Logo, é importante encontrarmos um equilíbrio entre a tecnologia e a vivência de experiências únicas.
