domingo, 14 de janeiro de 2024

Sexo, Genero e Rótulos binários

Só escrevendo consigo refletir sobre sexo, género e a minha própria identidade, pois nos dias de hoje falar em voz alta sobre assuntos como este, levam ao conflito e a extremas conversas longas, para as quais não tenho paciência. Para mim a minha orientação sexual transcende rótulos e categorias restritas. Contudo, o meu ser vai além de definições convencionais.  
Dou por mim muitas vezes a desafiar-me e a repensar nas normas que moldam a nossa compreensão do género e da sexualidade. Identificar a minha orientação sexual é, em si, um ato de resistência contra a rigidez das categorias heterossexuais ou homossexuais. No entanto, ao explorar mais profundamente, percebo que, no cerne, não me sinto como algo mais do que um ser humano, dotado de emoções e amor por todos.  
A minha visão sobre o que é sexo e género alinha-se bastante com as ideias de Judith Butler, uma pensadora que desafia as normas convencionais e destaca a fluidez e a natureza performativa da identidade de género.  Para mim, as categorias tradicionais de género e orientação sexual são redutoras e não conseguem captar a riqueza e diversidade das experiências humanas. Butler argumenta que o género é uma construção social, uma performance que repetimos ao longo do tempo. Isso ressoa comigo, porque sinto que as pessoas são muito mais do que simples rótulos ou caixas pré-definidas.  
Ao aceitar estas as ideias, percebo que as normas sociais muitas vezes nos forçam a encaixar numa dualidade rígida, ignorando a complexidade das nossas identidades. Não somos simplesmente homens ou mulheres; somos seres humanos com uma vastidão de experiências, emoções e identidades únicas.  
A conversa em torno do sexo e género está finalmente a expandir-se para abraçar uma visão mais inclusiva e fluida. Ao partilhar a minha perspetiva, espero contribuir para este diálogo em crescimento. Desafiar os rótulos tradicionais não é apenas sobre rejeitar categorias obsoletas, mas sim abraçar a riqueza das experiências individuais e construir uma sociedade onde todos possam ser reconhecidos e respeitados, independentemente de onde se encontrem no espectro de género ou orientação sexual.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Guilty steps Bordalo II

A obra guilty steps de Bordalo II choca pela sua simplicidade e impacto profundo. Trata-se de uma crítica feroz à indiferença vivida no contexto da sociedade atual no que respeita à guerra e aos direitos humanos e interpela o público questionando o valor das nossas ações individuais.

Este estilo direto de abordagem ativista é já característico de Bordalo II, como podemos observar ao longo dos seus trabalhos mais recentes sobre temas como o abuso sexual de menores pela igreja católica portuguesa ou a utilização de dinheiro público para o financiamento das jornadas mundiais da juventude. Na verdade, todo o seu trabalho se relaciona intensamente com uma intervenção social, o que é acentuado nomeadamente pela utilização recorrente de materiais reciclados (recolhidos na rua) nas suas obras e o frequente tema animal que entrecruza os mundos natural e industrial, com o contraste entre o impacto visual dos tons vívidos do plástico, com as suas formas trapalhonas e agudas, e os tons terra esbatidos que quase se misturam com a paisagem. Em adição a isto, os seus trabalhos têm sempre uma relação intensa com o espaço urbano tomando parte dele de forma híbrida e orgânica sem nunca perder aquele impacto característico que chama à atenção.

Estas características fazem-se notar também na sua recente obra guilty steps a qual ilustra a bandeira da Palestina pintada numa escadaria à saída da estação de comboios de Santos, em Lisboa. Aqui, o verdadeiro twist está na interatividade: a tinta da parte vermelha da bandeira encontra-se fresca de modo a que os passos dos transeuntes vão deixando pequenas pegadas vermelhas no seu caminho cobrindo o restante da bandeira de vermelho e manchando a área circundante. A criação foi apresentada na forma de um timelapse em que assistimos ao apagamento gradual da bandeira Palestina simbolizando assim o apagamento do seu povo e o rasto de sangue que dele permanece perante da indiferença mundial e por causa dela.

De um modo geral, esta obra leva-nos a refletir sobre o verdadeiro potencial da arte urbana enquanto um elemento que vive e interage com o público e o papel que este pode ter na própria obra e nos assuntos que lhe dão tema e razão de existir, fechando algum do distanciamento entre a arte e o seu objeto e mostrando-nos mais uma vez que, como disse Desmond Tutu, ser neutro em situações de injustiça é estar do lado do opressor.






Um pequeno pensamento acerca de “A quinta dos animais” de George Orwell

 A aldeia adormece. O Lobo acorda e jura-te que não és bom. A aldeia adormecida fecha os olhos ao talento e pisca duas vezes ao Lobo em concordância. Como se lágrimas de bocejo fossem atestados de veracidade ao que diz um Lobo Mau. Ora é isso mesmo. Quando a aldeia acorda já as promessas estão prometidas e o Lobo cala os calados. Aldeões acordados valem pouco ou nada perto de totós adormecidos. Canções de embalar são hinos predadores cantados por tiranos impostores. E os patetas encantados sabem o que é sabido e juram que a sua verdade é verdadeira aos acordados, esses mentirosos que distinguem Lobos de Aldeões como parvos de tolos. Na “Quinta dos animais” os porcos triunfaram para matarmos o Lobo Mau e acordarmos a Aldeia lembrando-a da “diferença entre estar comprometido  com uma ideia e ser enganado por quem a difunde.” 

A Importância da mentira ou a desvalorização da verdade

A mentira não tem perna curta, porque a farsa dá passos largos, a fraude excede distâncias exorbitantes, o embuste chega ao destino sem percalços, o engano é veloz, a “balela” é instantânea e a “peta” sai impune. Neste mundo não sobra espaço para a sinceridade, eterna e virtuosa, que tonta essa lealdade, que acha que transcende o falso, por cima da envergadura da mentira, a verdade tem que voar alto. Mas os pássaros não estão prontos para lidar com transparências, não as contemplam, batem com a cabeça. Eu cá sou peixe, nado na clareza, contudo temo a incoveniência de um “tubarão” honesto ou um “pescador” franco, esses que afligem o “imperfeito”, com uma autenticidade absoluta.

Que o amor não seja invenção e integre a realidade, porque amores momentâneos são as tais “balelas” instântaneas, as paixões permitem fingimentos, mas o coração não inteira desonestidades.  Que o “vulnerar” não seja também o verbo para os queridos, como pretexto e em função da fidignidade, se os peixes não pediram para serem pescados.

Quem sabe se os pássaros não começam a ver vidros com cor de sinceridade e se começam a desviar dessas nuvens mentirosas, que de almofadas não têm nada. Eu cá não me deixo repousar na calúnia, se a franqueza for mais confortável.

domingo, 7 de janeiro de 2024

A Escassez de Tempo para a Criatividade

Numa rotina marcada por prazos apertados e uma lista interminável de tarefas, encontro-me diariamente imersa no desafio da escassez de tempo para a criatividade. A pressão constante para cumprir obrigações e responsabilidades muitas vezes sobrepõe-se à oportunidade de explorar ideias novas, deixando-me a pensar como poderei ser criativa no meio da correria do quotidiano.

É fácil perder-me na narrativa da eficiência, onde o tempo é contado e a criatividade parece um luxo dispensável. Mas, ao longo do tempo, percebi que sacrificar a criatividade em prol da produtividade é um preço alto a pagar, pois a inovação acontece quando nos permitimos explorar e experimentar.

A constante abundância de informações digitais também desempenha um papel no desafio pessoal da criatividade. Enquanto as notificações competem pela minha atenção, percebo que o silêncio e a contemplação (elementos essenciais para a criatividade) muitas vezes são deixados em segundo plano.

Reconhecer a falta de tempo para a criatividade é mais do que uma perda pessoal; é uma perda para a expressão individual e a sociedade como um todo. O ato de criar vai além das obrigações profissionais; é um caminho pessoal de autoexpressão e descoberta. Perante este desafio diário, tenho aprendido a priorizar momentos de pausa e reflexão, seja através da exploração de novas formas de arte ou da resolução de problemas pessoais.

Num mundo onde a eficiência muitas vezes dita o ritmo, recordo-me constantemente de que a criatividade é um ato pessoal de resistência contra a monotonia. Navegar pelos desafios da escassez de tempo para a criatividade exige não apenas uma gestão mais consciente do tempo, mas também um compromisso pessoal de preservar o espaço para a inovação no quotidiano.


Desigualdade Digital na Educação

Numa era digital, é lamentável que a educação permaneça dividida entre aqueles que têm fácil acesso à tecnologia e os que ficam à margem desse avanço. Essa disparidade não é apenas uma questão de possuir ou não dispositivos eletrónicos; é uma barreira clara que separa aqueles que têm acesso a oportunidades educacionais modernas e os que são excluídos desse progresso.

A pandemia acentuou essa disparidade, destacando que o ensino remoto não é apenas uma transição para alguns, mas um privilégio digital para muitos. Nesse contexto, a educação, que deveria ser um direito universal, parece mais um privilégio reservado a alguns.

Para enfrentar essa desigualdade, são necessárias ações urgentes e abrangentes. Investir numa infraestrutura de internet em áreas carentes é essencial, assim como garantir que a conectividade seja acessível a todos. Programas eficazes de distribuição de dispositivos são cruciais para assegurar que todos os alunos tenham acesso a ferramentas tecnológicas adequadas. Para além disso, o desenvolvimento de conteúdo educacional inclusivo, que seja acessível em diferentes plataformas e dispositivos, é fundamental para garantir uma aprendizagem equitativa.

A tecnologia deveria ser uma ponte e não um impedimento para a educação. O conhecimento não deve ser um privilégio, mas um direito inalienável de todos. Enfrentar a desigualdade digital na educação não é apenas uma necessidade educacional, mas um passo crucial para construir uma sociedade mais equitativa, onde cada aluno tenha a oportunidade de navegar pelo vasto mundo do conhecimento digital, e é hora de garantir que essa oportunidade não seja reservada a alguns privilegiados, mas seja estendida a todos, sem exceção.