terça-feira, 12 de novembro de 2024

A exposição desmedida de menores como maquinaria de enriquecimento

Ao longo da vida vamos colocando questões a nós próprios e, deste modo, construímos e sedimentamos os valores pelos quais nos iremos reger. Ao ler o texto de Roland Barthes ,“Bichon entre os Pretos”, o aspeto que mais me chamou à atenção foi o ‘heroísmo sem objeto’. A história de uma criança colocada numa situação desnecessária, não ganhando nada com isso, que tão pouco tinha a noção daquilo que lhe estava a acontecer. No final de contas, quem acabou por ser reconhecido e ter algum benefício com esta história, foram os pais que se colocaram, e por consequência colocaram a criança, naquela aventura.

Com base neste texto de Barthes, criei uma ponte para um tema atual e que me incomoda de certa maneira. Recolhi também algumas informações e fiz uma pesquisa por várias notícias que abordam o tema.

Numa época onde tudo está à distância de um clique, há muitas perguntas e valores éticos a serem discutidos. Fazer parte da Gen Z é estar ciente e alerta de todos os pros e contras de uma exposição quase total de todos nós nas redes sociais. Nunca estivemos tão conectados às redes, nunca tivemos tanta informação e nunca foi tão fácil dar uso aos meios, para o bom e para o mal também. Com o uso das redes sociais e numa época onde nos deparamos com tudo online, desde vidas fictícias, ao grande mercado, a notícias, entre outros, tudo virou comum para os olhos dos demais. Todos nós seguimos ou acompanhamos alguém que vive e se alimenta da internet, os intitulados “influencers”. São pessoas ditos comuns, vivem a suas vidas normalmente, mas o que lhes dá esse nome é a partilha dos seus dias nas redes socias. Pode partir de algo banal, como um passeio ou uma caminhada com o cão, para vivências partilhadas, até chegar ao ramo da indústria, onde tudo é forma de ganhar dinheiro. Tudo conta, desde visualizações, comentários, parcerias, eventos e por aí adiante. A internet é a maquinaria pesada de fazer dinheiro, completamente movida por nós, espectadores, que alimentamos a nossa vida com base naquilo que vemos e que, de certa forma, tentamos viver.

Algo que cada vez mais se vê é o aparecimento de bebés e crianças nas redes sociais. Por vezes começa com os pais a partilharem a gravidez, que passa para o nascimento, em que a certo ponto estamos a ver parcerias com marcas de fraldas e chupetas, até aos primeiros passos e palavras da criança. Quem é a pessoa que resiste a um amável bebé? Sem dúvida nenhuma que o engajamento é superior a qualquer outro tipo de partilha. O espectador pode estar apenas curioso, pode sentir alguma empatia, ficar apenas feliz como também não sabemos se pode ter algum tipo de malícia. Nunca sabemos quem está por de trás do ecrã e logo aí levantam-se muitas questões. Será eticamente correto expor uma criança num meio público, criança essa que não pode dar o seu consentimento, em troca de gostos e de monetizações? Qual é o limite que separa aquilo que pode ou não ser partilhado nas redes por parte dos pais sem meter em causa terceiros? Claro que irá sempre existir um lado positivo da história. Um bom exemplo disso seria de alguém que está a passar pelas mesmas situações, que poderá assim sentir-se menos sozinho e aceder a mais informações. Não obstante a isso, como é que sabemos que aquilo que está no ecrã não é uma romantização da monotonia do dia a dia?  

Quando nós adultos partilhamos a nossa imagem, temos a noção do nosso corpo como nossa propriedade e damos sim o consentimento de partilha, mas os mais pequenos não o podem fazer. Não é implícito que esta ação seja feita com maldade, mas quando olhamos a fundo para a questão, nada é assim tão simples como “é apenas uma publicação”. Perguntemo-nos como se sentirá uma criança com uns três anos que está na rua e é reconhecida por gente que nunca viu antes? Pessoas essas que sabem o seu nome, informações sobre o seu quotidiano, histórias de vida e afins. No mínimo diria que se sentiria confusa.

Conclui-se assim que em ambas as situações, na atualidade e no texto de Bichon, embora o elemento centralizado seja a da criança, essa nunca será a principal beneficiária de toda essa atenção. Há muito de atual nesta história, permanecendo assim a ideia de Barthes “As proezas de Bichon são do mesmo tipo das ascensões espetaculares: demonstrações de natureza ética, que só retiram o seu valor da publicidade que lhes é dada”.