segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A Passagem

A impossibilidade de ver e num pestanejar, o Nascimento do Sol Nascente. Um pós-lugar e o deslumbramento pelo vazio. Fenda rasgada no espaço. Aqui estou. Num caleidoscópio escuro e paredes que se revelam pela iluminação do cinema. Templo de luz e a naturalidade pela falsa verdade que atormenta a respiração – pouco assídua. A luz da auréola azul que resplandece dos vulcões da lua. Analiso um negativo e a tua calma no andar que permanece intacta. Cântico falante, como ficas bem. Realidade enviesada e ao longe o terno canto de um rouxinol. A paisagem pura, nua, e a descida do véu que lentamente revela a imagem onde te deitas e eu não sei o que fazer. Afasto-me no desvendar de uma neblina que ofusca o invisível que está em ti e todas as contradições que se alojam em mim. Tento afastar a estranheza que insiste em calcificar-se na palma das minhas mãos tocando em tudo o que seja vivo e quente e, a distância entre estes mundos é tanta que vejo a extensão do meu gesto desvanecer-se sobre cada rotação feita, pela luz do grande farol. E a tua memória, que se camufla facilmente no interior de cada badalada, oca, e a lembrança de um sonho lindo. Destruo as barreiras da crítica e deixo-te entrar. Atenção reduzida e não sei onde estás. Onde estás. Um barulho ensurdecedor metálico e o ranger dos teus dentes. O mistério que te protegia era agora escrito em palavras, sons, tribulações que ecoam do teu sono profundo. Neblina agora contida e do teu espírito a separação de cada partícula. A linearidade dos astros que se iluminam sobre o teu peito e tudo o que nos afasta. Distância permanente e não consigo fugir dela. O vazio do teu cheiro e um grande lago, cume rompante no seu centro e a divisão que se formou pela força do estrondo. Fissura aberta ao céu — a fenda, e o grão que ficou da tua voz. Deparo-me com o lacrimejar de uma árvore que se desfolha em eterno movimento. As suas raízes — e o medo do espanto. O meu questionamento assombra-se como o crescendo de uma orquestra, mas o lago permanece imóvel. Nada cai do céu e a minha vontade esgota-se, desfaz-me. O fotograma repete-se e os teus passos, que afinal são os mesmos que os meus, ficaram marcados sobre a cor da terra que implora por água. Uma linha diagonal e o tremendo colosso que aguardava silenciosamente. Nunca me pertenceu, este grito, este gosto, esta língua. A grande queda e a permanente paisagem imaculada. A fenda, a escorrer, a implorar, parece dividir o ar que a delimita, sufoca-a, e a sua expansão parece reduzir-se cada vez mais ao seu centro, que é também o seu princípio e assim, também o seu fim. O movimento é contínuo e ritmado e cada suspiro parece o primeiro. Estou a ver — abri os olhos. Pela primeira vez, neste espaço. O sufoco do ar puro. E a tua imagem. Que bela. Como o vislumbre de um enxame. O cheiro — que cheiro é este? Familiar odor desabrochante e a saliva dos meus lábios. Uma luz emerge, forte, confiante, um grande clarão. Um rasgo no céu e cada astro está agora revelado. Imagem cega cega cega. Surge pulsante e recordo-me. Clarão. A grande rocha filha do grande lago, pequena ilha que te esconde e és tão grande. Cheia de si, não te pertenço, nem a mim. Sou poeira que se esconde e multiplica. O manto que te cobre e o desenho do infinito que carregas ao peito. O que é isto? Toco-te. E nesse momento o meu dedo trespassa a tua realidade e deixo de ver, a cegueira, és tu és, a cegueira que te esconde. Ambiente contaminado e o meu reflexo em cada parede do teu interior, um poço. O escuro, tão escuro que deixei de te ver. Vórtice contagiante, a minha cabeça. Tacteio e a rugosidade das paredes expulsa-me cantarolando. A fenda, agora aberta, e a memória do assobio constante de um pássaro ao longe. 

O nascimento — nasci, e este acidente continuamente belo.