Recentemente, vi pela primeira vez a série Sex and the City. Esta série, que retrata a vida de quatro amigas na casa dos 30, solteiras e a viver em Nova Iorque nos anos 90, traz uma premissa familiar, repetida em muitas outras séries do género. No entanto, surpreendeu-me o seu tom único e a diferença marcante em relação às sitcoms típicas da época. Sex and the City é mais direta e sem censura, representando quase perfeitamente amizades sem tabus, sem receio de abordar temas desconfortáveis. Com um foco profundo nas relações amorosas e sexuais, a série levou-me a refletir sobre como essas dinâmicas evoluíram até ao presente.
Vivemos hoje num mundo em que
muitos casais se conhecem online e, neste contexto, Sex and the City
assemelha-se a um conto nostálgico de um passado pré-internet e até mesmo
pré-telemóveis. Na série, as pessoas parecem mais sociáveis e extrovertidas, e
a forma mais comum de conhecer alguém era através de eventos sociais ou de
‘arranjinhos’ feitos por amigos. A diferença é gritante: o ambiente retratado
valoriza o contacto pessoal e o acaso, enquanto atualmente as mensagens por
redes sociais e o hábito de pesquisar alguém online antes sequer de falarmos
com a pessoa tornaram-se práticas normais. Este “novo normal” pode facilitar a
identificação de interesses comuns, mas também adiciona uma carga de
expectativas baseada numa quantidade de informações que a geração de Sex and
the City nunca teve.
Outro contraste interessante é a
comunicação dentro das relações. Em Sex and the City, as personagens dependem
de conversas cara a cara e de telefonemas ocasionais, enquanto hoje a
comunicação é praticamente constante, com mensagens a qualquer hora, sabendo
sempre se a pessoa está online ou até a escrever-nos uma mensagem. Isso cria
uma (falsa) sensação de proximidade quase contínua, mas também pode gerar
mal-entendidos e ansiedade, enquanto as personagens da série lidavam com a
ausência e a espera de forma mais natural. Será que essa forma de comunicação
menos imediata não era, afinal, mais saudável?
Para além das diferenças óbvias
nos encontros e nas formas de comunicação, uma das mudanças mais intrigantes
trazidas pela internet é a criação de novos termos e categorias para descrever
relacionamentos. Expressões como “situationship” e “the ick”, definem dinâmicas
que, nos tempos de Sex and the City, dificilmente seriam reconhecidas. A
própria ideia de “situationship” – uma relação indefinida que não é nem um compromisso sério nem meramente casual – representa uma complexidade que
talvez nem fosse imaginada há algumas décadas.
Estes novos termos e conceitos
podem ser úteis para identificar nuances nas relações, mas também podem trazer
confusão. Com mais opções e rótulos, parece haver uma necessidade crescente de
categorizar cada tipo de interação amorosa. Isso, de certa forma, banaliza as
relações, retirando-lhes a espontaneidade e impondo-lhes definições que limitam
sentimentos e expectativas. Hoje, existe uma vasta gama de classificações que
trazem consigo diferentes pressões, como se até os relacionamentos tivessem de
encaixar-se em “caixas”, ignorando o facto de que cada relação é tão única quanto cada ser humano, com as suas próprias características e acordos.
Assim, assistir a Sex and the
City atualmente é como abrir uma cápsula do tempo, que nos permite observar
como as relações amorosas mudaram nas últimas décadas, especialmente com a
influência da tecnologia. Relembra-nos que as relações podem ser complexas, mas
também livres das camadas de ambiguidade que a cultura digital adicionou. Sem
complicações desnecessárias. É um retrato de uma época em que o amor e a
amizade se construíam a um ritmo diferente — talvez mais demorado, mas
possivelmente mais presente e espontâneo. Afinal, será que esta era digital,
com toda a sua conveniência, realmente enriqueceu ou simplificou a nossa forma
de nos relacionarmos?