segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Stream of consciousness III

    Penso: embrulhar museus palácios monumentos; fazer o impensável: beijar-te na Torre Eiffel e descobrir que és feito de susto. Fronteiras elásticas de pensamento obtuso (quem me dera não pensar nisto) perpetuamente limitado pelo conhecimento.

    Penso: tudo é triste, quanto te abres a ver se cabes miúdo no meu coração. A apequenar-te por mim. E eu a perigar-me por alguém, e saber que quando me olhas nos olhos, e eu te olho nos teus — nos olhamos, portanto — o mundo insiste em existir, igual; e o chão é do mesmo tamanho por baixo dos pés, sem nunca nos deixar cair completamente em nós mesmos (mas quase).

    Penso: estou no sítio certo, ou então no seu oposto. Não há artistas em torres de marfim; estamos sempre a ir uns contra os outros sem darmos por isso. Há espaço que chegue para o desencontro; garrafas lançadas ao mar com mensagens de amor ou comércio.

    Penso: é um desperdício desviarmo-nos para dentro, agora que os deuses se viraram de costas só para que finalmente falássemos. Mas eis-te, recostado na tua sombra, despojado de responsabilidades, e se me vens intenso julgo saber o significado das coisas, pequenas necessidades perfeitamente quotidiananas, os nomes e as cores e as formas de cada objeto do mundo inteiro, mas vai-se a ver e são suportes obsoletos — pequenos gigantes de raiva e eu, a tentar levar-te a sério enquanto voas por um céu de estrelas cintilantes e dizes que me amas.

    Penso: este precipício decerto foi criado por um artista; mas, artisticamente falando, isto não é nada. Teimo à espera de um anjo que me atinja, arco e flecha em punho, e no entanto, como costume, dás-me o que não peço; o que peço não me dás e cá estamos.

    Digo-te: morreram-me os cães e a felicidade. Deixa-me entristecer, nesta idade em que ainda não afeio ao chorar. É só isso que peço. Tu abanas a cabeça. Penso: périplo de crianças recém-nascidas aos berros por coisas invisíveis; castelos envoltos em papel de embrulho natalício; beijar-te e sentir-te utópico e pequeno dentro de mim. Digo-te: amo-te, sabendo perfeitamente que não me ouves — como, afinal. Digo-te: estou a pensar em mandar o meu curriculum vitae a Jesus Cristo. O que achas. Tu acabas a cabeça; mais: levas-me a sério, com a nítida noção de que nunca nos vimos senão pelo avesso do abraço.