A conclusão natural de um sistema que capitaliza o sonho em torno de uma mercadoria é que, um dia, nem seja necessária a mercadoria para que o lucro decorra. O objetivo é vender algo, extrair valor monetário de o que quer que seja. Talvez precisamente por ser imaterial é que as ideias são vendidas com tanta eficácia - o poder sedutor do sonho facilmente faz-nos refém de quem o instrumentaliza.
Eis
um exemplo prático. É muito comum que seja expropriada a superstição,
ou as práticas religiosas ou espirituais de um povo ou local por
terceiros motivados pelo lucro. Pode ser tão banal e inofensivo como a
venda de crucifixos ou uma aula de kundalini yoga. Não estou a
implicar que as crenças sejam falsas, pois até crenças com
origem num plano enganoso de um empresário tem a capacidade de serem
desenvolvidas com integridade mais tarde e/ou por outros. No entanto, o
que está à venda dificilmente pode ser considerado material, ainda que a
crença venha acompanhada de instrumentos que a fundamentem. De certa
forma, o cristal ou o conjunto de ervas (ou o que quer que seja) dá
legitimidade ao sonho e não o oposto, sendo este sonho um sistema de
crença ou uma experiência fora do mundo da matéria.
Isto não é uma regra geral, com certeza, mas interessa-me um fenómeno em particular - a popularidade recente do processo espiritual da manifestação (e semelhantes sistemas como a lei da atração). O que está a ser oferecido é o próprio sonho, com completa honestidade - não o acesso a um carro, uma casa ou um jardim, mas o acesso ao estado de espírito que promete trazer tudo o que o indivíduo deseje até ele. Vende-se o acesso ao acesso, a força de vontade indomável. O antigo estereótipo do génio-da-lâmpada foi reciclado, transposto no ego e colado nesta técnica, pois a manifestação existira muito antes no seio místico mas com um caráter radicalmente diferente. Nele, questiona-se o quão realista são os nossos objetivos e observam-se múltiplas definições de sucesso e abundância.
Na nova corrente, especificamente na que é liderada pelos beneficiários do lucro gerado pelo conteúdo e informação desta filosofia, não existe dialética mas apenas declarações, não, ordens ao divino. Os próprios consumidores criam o seu sonho, são os criadores da sua própria realidade, e os 'filósofos' apenas dão-lhes lume. No entanto, a visão do mundo como um 'ATM espiritual' em que o resultado das condições de vida é influenciado apenas pela vontade do indivíduo convenientemente ignora, ou pelo menos apazigua a verdade - que estamos rodeados de forças e circunstâncias para além do nosso controlo. Parece-me quase como uma ressurreição do sonho americano, mas o poder do trabalho individual neste foi derrubado pela vontade, um desejo que pode tornar-se tanto obsessão como devoção a uma realidade que nos pareça digna.
Talvez exista alguma verdade neste novo pensamento - de facto, nós somos responsáveis pelas nossas escolhas, pelo nosso bem-estar e pelo desfecho do nosso sucesso. Faz-nos bem questionar se o que já existe nas nossas vidas nos satisfaz. É possível uma vida melhor para nós se conseguimos sonhar com ela - mas esse é apenas o primeiro passo. Porquê limitar esse sonho só a nós, ou a uma só condição material de sucesso? Nessa limitação corremos o risco de não incluir o papel de todas as pessoas que sustentam o nosso estilo de vida, tanto o presente como o imaginado futuro.