Na rede social Tiktok deparo-me várias vezes com a palavra Core. O termo Core tornou-se tão popular que é amplamente referido em conteúdo online e até em conversas do dia-a-dia. O CoreCore trata-se de um sufixo (-core), podendo ser absolutamente qualquer coisa, CottageCore, NormCore, GirlCore, FbaulCore, por exemplo.
Para ilustrar um destes
termos, CottageCore está associado a todo o universo estético de viver no
campo. Usar vestidos brancos, colher fruta do jardim, cozinhar tarte de maçã,
ter animais de quinta, são todos elementos pertencentes a esta subcultura.
Trata-se, assim, de um processo de significação, ao atribuir-se certos
elementos visuais e sociais a uma estética específica. CottageCore, além das
suas características visuais, também reflete uma repercussão de ideais anti
modernistas e revivalistas.
Segundo a definição
existente na internet, CoreCore pode ser brevemente descrito como um
género pseudo-dadaísta de media mista que combina elementos de áudio e
visuais em cortes (normalmente breves). Importa destacar que, embora o CoreCore
explore temas recorrentes (muitas vezes centrados em perda, solidão, mal-estar
geral, etc…), este carece de uma estrutura narrativa rigorosa ou de um objeto
de referência explícito. Ao apresentar fragmentos desconexos de som, vídeo e
texto, são evocados sentimentos ou sensações, mas sempre sujeitos a múltiplas
interpretações. Essencialmente, o CoreCore é tanto um produto da era da
sobrecarga de informações quanto uma tentativa de representar e processar essa
condição.
CoreCore pode ser entendido como uma anulação do "-Core",
a partir do qual dá o seu salto dialético. "Core" pode ser
definido como um sufixo que designa o seu objeto como uma categoria estética -
ou, segundo a dialetica Hegeliana, uma determinação do entendimento. Assim, por
exemplo, "cottagecore" eleva "cottage" ao estatuto de uma
categoria que serve para estruturar ou analisar a experiência. Os vários
objetos que se enquadram sob cottagecore - velas, madeira, etc. - são reconhecidos
em referência à identidade do "Core" em questão.
O CoreCore representa uma negação e uma superação do próprio
conceito de Core. Inspirado pela lógica hegeliana da Aufhebung (sublimação), o
CoreCore não destrói o Core, mas transcende a sua lógica interna. A definição
de Aufhebung significa simultaneamente negar, preservar e elevar, transformar
um objeto a um nível superior de compreensão sem o destruir completamente.
O CoreCore nega a ideia de uma identidade fixa e externa que
sustente o Core, conserva a crítica às relações entre aparência e essência e
eleva a contradição entre ambas à condição de elemento constitutivo. Assim, este
desafia a necessidade de um "centro" ou "essência"
definido, apresentando-se como um reflexo crítico da cultura digital
contemporânea.
No contexto de Hegel, a Aufhebung implica que uma ideia não
é destruída de forma absoluta, mas transformada e integrada num nível superior
de entendimento. Este fenómeno realiza essa transformação. Enquanto o Core
busca continuamente sustentar sua identidade por meio de oposições externas (como
cottage e CottageCore), o CoreCore percebe que essa lógica leva inevitavelmente
a uma proliferação infinita de Cores, o que acaba por destruir o próprio objeto
que pretende autenticar. O CoreCore não "apaga" o Core; ele
"supera-o" no sentido hegeliano, elevando-o a uma nova forma que
aceita a contradição como elemento constitutivo da realidade. O CoreCore
incorpora a contradição dando-lhe relevância, aceitando que a ausência de uma
essência externa não é uma falha, mas sim a condição ontológica da sua
existência.
Desta forma, o CoreCore revela-se como um espaço de exploração
crítica e autorreflexiva da estética contemporânea. Em vez de rejeitar o Core, este
demonstra a sua verdadeira natureza como uma construção aberta e contraditória,
refletindo a complexidade da cultura digital e os paradoxos da era da
informação e, ao mesmo tempo, subverte a significação e expressão.