sábado, 22 de novembro de 2025

Entre o Subterrâneo e a Superfície: Foucault e a Desigualdade em Parasite

As últimas questões dadas em aula, fez-me associar ao filme Parasite (2019), de Bong Joon-ho. O filme retrata evidentemente a desigualdade social e a questão do poder. A diferença entre uma família pobre e uma família rica em que não é apresentada somente a nível económico mas como uma diferença estrutural, marcada pela linguagem, pelos espaços, pelos gestos e até pelos cheiros. Isto levou-me a associar Michel Foucault.

A família Kim não é simplesmente menos favorecida, é colocada numa zona de invisibilidade social. Vive literalmente abaixo do nível da rua, num porão sem luz. Já a família Park encontra-se num nível evidentemente elevado da rua, num mundo que naturaliza a hierarquia.

A relação entre ambas as famílias fica mais próxima assim que a família Park contrata a família Kim. Os Park dependem dos Kim, mas mantêm-nos sempre a uma distância segura através de normas subtis, como a maneira como se devem comunicar, o tom de voz esperado, a postura corporal adequada e a divisão clara dos espaços dentro da casa. Há então uma linha entre eles. A linguagem não é apenas um instrumento do poder, é por si só, uma forma de poder em si.

Há uma fase em que a questão do cheiro é colocada em causa. Quando os Park descrevem o "cheiro" da família Kim, não é apenas um facto de cheirarem menos bem ou menos mal, estão a classificá-los, a atribuir-lhes um marcador social inferior. Já quando chamam à antiga governanta de "perturbada" ou "doente",estão também a atribuir-lhe uma identidade que justifique a sua expulsão.  

A chuva funciona como reforço dessa distinção. Após uma forte tempestade durante a noite, enquanto a família Park a interpretou como algo benéfico para limpar o ar e proporcionar um dia agradável, os Kim foram obrigados a evacuar a sua casa por motivos de segurança devido às inundações que destruíram grande parte do seu bairro. A mesma chuva que para uns representa algo bom, ou até algo que possa passar como despercebido, para outros significa instabilidade e destruição.

Apesar destas distinções, os Kim claramente ainda exerciam poder: eles conseguem manipular os Park, reorganizar os costumes da casa, expulsar e ocupar os lugares daqueles que lá trabalhavam. Mesmo assim, não conseguem, nem podem, transformar a estrutura social que os oprime, apenas conseguem exercer de forma tática e disfarçada. São forçados a viver como parasitas. A sua tentativa de conquistar poder é, acima de tudo, de sobrevivência: assumem identidades falsas e procuram estabilidade num sistema que os exclui. O objetivo não é destruir os Park, mas sobreviver.

Quando tudo começa a desmoronar, o filme prova essa ideia em como o poder não é fixo nem estável, mas algo que se desloca, que revela tensões e que expõe fragilidades. Não é apenas repressão. O poder também cria comportamentos, expectativas e conflitos que se tornam inevitáveis. No caso da família Kim, a tentativa de se aproximar do mundo dos Park e de assumir novas identidades não resulta numa mudança real, mas num aumento da pressão que já existia, até que essa tensão explode. A violência do final não acontece por acaso, é consequência das microviolências constantes, dos olhares, das pequenas humilhações e das classificações subtis que sempre determinaram o lugar de cada um. 

No fundo, Parasite, a meu ver, deixa claro que o poder é relativo e instável, tal como Foucault descreve, mas que isso não chega para alterar uma estrutura social profundamente enraizada e desigual. A desigualdade permanece como a força principal do conflito e mostra como, apesar dos esforços, há barreiras que não se ultrapassam apenas com estratégia ou vontade.