terça-feira, 21 de novembro de 2023

Discriminação premeditada nos dias de hoje, um caso de estudo

Hoje em dia somos consumidos pelas redes sociais. É quase impossível fugir à influência e ao impacto que estas têm no dia-a-dia do consumidor. Isto porque, ao contrário dos primórdios destas plataformas, que tinham o propósito quase exclusivo de conectar pessoas, estando elas perto ou longe, através de uns quantos cliques, hoje em dia estas plataformas têm muitas mais funcionalidades. Jornais e os próprios jornalistas, artistas, marcas, todas estas utilizam as redes sociais a seu proveito, para difundirem aquilo que lhes é importante; jornalistas podem agora trabalhar exclusivamente por conta própria, relatando as suas reportagens nas próprias redes sociais; artistas, especialmente músicos, agora mais do que nunca, podem difundir o seu conteúdo de forma independente, sem a necessidade de se associar a uma editora de discos, ou estarem dependentes do tempo de rádio. As redes sociais acabam por dar esta liberdade ao utilizador, a troco de "nada" muitas vezes, já que a esmagadora maioria delas é de uso gratuito.

Digo "nada" porque, obviamente, não é mesmo nada. O grande rendimento destas plataformas vem da publicidade e dos anúncios que as mais variadas marcas pagam para poder ter na plataforma. Este sitema de publicidade é muitas vezes específico a cada utilizador (ou seja, cada perfil pessoal terá certos anúncios diferentes de outros perfis), baseado nos nossos gostos pessoais ou nas nossas opiniões sobre os mais variados temas. Isto é possível pois as plataformas vendem esta informação, pessoal a cada um de nós, a uma série de entidades associadas a algoritmos de publicidade, que posteriormente filtram a publicidade que entendem que x utilizador vai achar interessante, e colocam ao dispor no nosso feed.

Isto já é algo bastante conhecido, este método de "advertising"; não diria que seja eticamente correto, mas é algo regulado e estipulado nos termos de privacidade de cada site, que cada um de nós aceita (sem dar muita atenção, muitas vezes). No entanto, esta troca de informação tem obviamente os seus limites. Como já referi, há um "contrato" que especifica o uso que os dados que fornecemos ao site irá ter (onde será utilizada, que tipo de fim terá, etc.).

É com esta premissa que quero abordar 2 casos distintos, bastante conhecidos: o escândalo "Cambridge Analytica", envolvendo o Facebook (agora denominado Meta); e, mais recentemente, o caso da expansão da plataforma TikTok nos Estados Unidos da América.

O escândalo "Cambridge Analytica", apesar de extenso e complexo na sua génese, não passa de um simples caso de fornecimento não-consentido de informação de utilizadores. O caso mais notório, e mais falado, envolve o Partido Republicano dos Estados Unidos da América: a empresa de consuloria Cambridge Analytica recolhia informação dos utilizadores, através do Facebook, e vendeu essa informação, primeiro ao candidato Ted Cruz (que na altura concorria contra Donald Trump pela liderança do Partido Republicano), e posteriormente ao próprio Donald Trump, para persuadir os mais indecisos a votar no seu partido, pondo em evidência, inclusive, em alguns anúnicios, as alegações de corrupção associadas a Hillary Clinton, a candidata do Partido Democrata, e do seu marido Bill Clinton (antigo presidente dos Estados Unidos). Também houve alegações desta empresa que a acusavam de interferir no referendo Brexit, mas acabou por não ser algo totalmente bem fundado.

Na altura em que o caso se tornou notório, já em 2018, o C.E.O. da Facebook, Mark Zuckerberg, chegou a ser ouvido no Congresso, onde admitiu lapsos nessa fuga de informação, e prometeu esforços para que tal informação não fosse partilhada de qualquer modo, insistindo que o Facebook iria trabalhar para que houvesse uma maior proteção dos seus utilizadores.

No que toca ao Tik Tok, plataforma com poucos anos de atividade, a investigação é um pouco menos fundamentada (também por ser uma investigação mais recente, possivelmente). O Tik Tok é suspeito de partilhar a informação que guarda dos utilizadores com o governo Chinês, com o intermediário sendo a ByteDance, empresa detentora desta app, que tem ligações a Pequim. O governo dos Estados Unidos alega que as preocupações vêm da lei nacional da inteligência da república popular da china, que estipula que "todas as organizações (...) devem apoiar, ajudar e cooperar com o Estado em matéria de inteligência nacional". Também se mostram preocupados com alguns dos algoritmos da app, temendo que estes manipulem a opinião de diversos temas.

Recuando umas semanas atrás, demos em aula um texto de Roland Barthes, onde o autor relatava um artigo que lera da revista "Match", sobre um casal de professores que fez uma viagem até África, levando consigo o seu filho bebé - Bichon. Todo o artigo é escrito de forma a enaltecer a atitude destes pais, o quão corajosos foram de levar consigo o filho para um ambiente tão hostil, no meio de uma tribo de "pretos" no coração de África. Todo o artigo, segundo Barthes, é escrito aos olhos de um racismo estrutural gritante. Uma discriminação infundada, sem qualquer explicação sobre o porquê de ser perigoso. A verdade é que ao longo da sua estadia, ninguém correu perigo de vida. O pequeno Bichon, ainda bebé e inocente, brincava junto das outras crianças da tribo. Isto para dizer que, apenas aos nossos olhos, é que esta experiência seria algo "épico" e digno de uma bravura inigualável. Somos pré-concebidos a pensar que uma tribo no meio de África consiste num conjunto de indivíduos bárbaros, que não sabem estar numa sociedade civilizada, que são perigosos para a pessoa "normal"; está implícito este contexto ao longo do artigo, até porque, tal como Barthes disse, sem este contexto, o artigo perderia todo o seu sentido. Seria apenas um conjunto de pessoas que viajou e foi conhecer outro conjunto de pessoas, que são diferentes, vivem de modo diferente, etc.

Ora, penso existir aqui um paralelismo entre a "moral" deste texto de Barthes e as duas situações que mencionei acima: o perigo iminente do Tik Tok, associado à partilha de dados de utilizadores, acaba por não ser muito diferente do escândalo do Facebook. Meios diferentes e fins diferentes, concerteza que sim, mas o fundamental, que consiste na partilha indevida destas informações, é bastante similar, e levado a cabo do mesmo modo. No entanto, um deles já foi alvo de propostas para ser banido em vários países, já há até leis que impedem membros do governo dos Estados Unidos de usar a app, na possibilidade de haver fugas de informação para o governo Chinês. A remota possibilidade de pensar que a informação retida pelo Tik Tok pode ir parar às mãos da República Popular da China e o seu tenebroso regime comunista é suficiente para se levar a cabo todas estas suspeitas por parte dos americanos, e consequentemente, o resto do mundo civilizado.

O Facebook, até à data, pouco ou nada aconteceu. Pagou uma multa, entre outras consequências que não afetaram muito a sua reputação a longo prazo. Está longe do pico de popularidade que outrora foi, mas continua a ser um gigante do Silicon Valley, e continua com o seu espaço na internet bastante solidificado. Houve, de facto, algumas melhorias notáveis no que toca às suas políticas de privacidade, partilhando menos informação do que na altura em que o escândalo aconteceu.

Faz-me crer que estas suspeitas e este clima de medo pelo Tik Tok, instaurado pelos senadores americanos, nada mais passa do que um dos vários casos em que o contexto geopolítico que difere as nações leva os países desenvolvidos e denominados "democráticos" a tomar medidas drásticas, receando o que estas nações podem fazer.

O pináculo deste rídiculo acabam por ser as preocupações de certos senadores no que toca à difusão de informação incorreta e "trends" perigosas para crianças, sobre os mais diferentes tópicos na plataforma do Tik Tok; algo que era recorrente também no Facebook, no pico da sua popularidade. Desde o "Desafio da Baleia Azul" até às pessoas que eram constantemente bombardeadas com informação errada, com artigos partilhados que geravam vírus, com todo o tipo de desinformação que é bastante comum em todas as redes sociais. Não é algo bom, e tem de ser combatido todos os dias, para se salvaguardar a credibilidade da esmagadora maioria das contas que zelam por essa integridade, sejam jornalistas, páginas, jornais, etc.

Também é verdade que o TikTok é altamente viciante em comparação com as outras redes sociais, graças à sua fórmula de pequenos vídeos sucessivos, que está aliás a ser copiado por todas as plataformas conhecidas (Instagram Reels, Youtube Shorts e ... Facebook Reels).

O facto do TikTok ser uma plataforma Chinesa levanta toda uma preocupação que seria algo impensável se a natureza da nação onde nasceu fosse outra. Se amanhã o TikTok fosse vendido a uma empresa estrangeira, o problema da desinformação e do conteúdo perigoso continuaria a existir; mas o facto de a informação ser (alegadamente) cedida àquele estado, e não ao Chinês, deixaria de ser uma preocupação, porque não interessaria se de facto essa informação fosse mesmo chegar ao novo estado onde a empresa estaria sediada; seria um país "pacífico" aos olhos do mundo desenvolvido. Tal como no texto de Barthes, ao retirarmos este contexto premeditado da narrativa do modus operandi da China, e estas ideias ou opiniões que podemos ter acerca do governo, a principal preocupação relativamente ao TikTok caíria por terra.