terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Anúncios de automóveis


Em Portugal, a cultura idealiza a compra de automóveis novos e caros, como um sinal diferenciador daqueles que pertencem à classe média/alta. Até os mais jovens, preferem investir a maioria das suas poupanças num BMW a crédito, do que em educação ou planos a médio longo prazo. Tornou-se o padrão ser dono de um BMW, Mercedes-Benz ou Audi, e ter SUVs altos e luxuosos, ainda que não façam qualquer sentido no contexto profissional e familiar em que a grande maioria das pessoas se inserem.

Mas a culpa é principalmente das marcas. De um lado, quando vemos um anúncio, podemos tomá-lo como uma forma normal de anunciar um lançamento de um novo produto de marcas que têm mercado em Portugal. São anunciadas funcionalidades e inovações, e o público fica a saber de que dada marca passou a comercializar dado produto. Mas por outro, as marcas tendem a retratar uma realidade desejada e luxuosa, e ao longo dos anos fizeram com que se associe inevitavelmente a posse de um automóvel com ser bem-sucedido e bem visto. A verdade é que adquirir e manter uma viatura de 50.000€ não só não é sinónimo de sucesso, nem tão pouco inteligência, já que na grande maioria das vezes supera, por muito, aquilo que seria o "necessário". Na grande maioria dos casos é um investimento descabido, e que tornou os padrões de vida alvejáveis dos portugueses mais irrealistas e materialistas. Além disso, a sociedade dá prioridade à estética em função da funcionalidade, e as marcas lucram com isso. Este desejo insaciável de se sentir poderoso e prestigiado, é potenciado pela manipulação do público alvo, aludindo àquilo que desejam ser, e moldando esses mesmos desejos. Isto leva a um aumento do incentivo para comprar melhor e mais recente, e as marcas tiram proveito da obsolescência programa embutida nos seus métodos para que essa compra se torne periódica e banalizada.

De certa forma, a ideia não foge muito à de Roland Barthes, que no texto "retórica da imagem" critica também uma publicidade, que embora seja de outro tipo de produto, utiliza de igual forma estímulos e manipula o meio em que se insere o produto para criar uma imagem apetecível e de que esse produto é melhor que os demais. Esta ideia de que um produto muda substancialmente a nossa forma de viver, e que nos faz sentir o luxo e o poder, é uma retórica frequentemente usada pelas marcas automóveis através destas mensagens sublimes e elementos visuais nos vários anúncios e publicidades com as quais somos bombardeados por nos meios de comunicação.

Faz-me alguma confusão da facilidade com que as marcas o fazem, e com que o público adere. Sendo eu um fanático por tudo o que tenha motores, parece-me completamente ridícula a ideia de comprar uma viatura num stand, com 0 quilómetros feitos, a menos que pudesse fazê-lo 10 vezes com as poupanças que tenho. Todos os dias vejo carros novos, usados para fazer deslocações de poucos quilómetros, e questiono-me se realmente era necessário fazê-lo num carro tão caro, ou tão recente. Muitos dos jovens da minha idade ambicionam e elogiam quem compra um carro novo. Mas será que é tão elogiável? Na minha opinião, não. Gostava que se dessem outros usos às fantásticas produções visuais usadas para fazer anúncios com expectativas enganosas e irrealistas, em conteúdo informativo, consistente com a realidade dos portugueses.