Há muito que me questiono sobre qual a verdadeira natureza do ser humano. Será que nascemos instrinsecamente maus ou são as circunstâncias em que vivemos que nos moldam?
Aristóteles discute que o Homem é um animal de natureza social, concebido para properar na vida em comunidade enquanto que Hobbes entende o Homem como um ser individualista, egoísta ao ponto de ter como único interesse o "eu" e os seus desejos. Resumidamente, no modelo político criado por Aristóteles baseado na sua análise da natureza humana, o Homem é essencialmente bom, um ser político que trabalha para o bem comum, da sociedade e, portanto, o Estado surge como uma extensão da comunidade, como um meio de aplicar a razão para o alcançar do bem comum. Para Hobbes, por outro lado, o Homem é cruel e está naturalente inclinado para instigar conflitos e guerra e o Estado, a figura de poder, dada a natureza violenta do ser humano, surge como algo necessáriao para manter a ordem.
São situações como a perfomance Rhythm 0 de Marina Abram que me fazem duvidar da tese de Aristóteles. Em Rhythm 0, Marina submete-se à vontad do público ao longo de 6 horas. Durante essas 6 horas, a artista diz responsabilizar-se por todo e qualquer ato do público, oferecendo-lhes o seu corpo como objeto e disponibilizando-lhes uma série de outros objetos desde rosas e batons a facas e pistolas para que utilizem nela. Apesar de nas primeiras horas o público permanecer relativamente pacífico, com o decorrer do tempo, membros da audiência começam a tornar-se mais ousados, a espetarem os espinhos das rosas na sua pele e a beberem o seu sangue, chegam até mesmo a apontar uma arma carregada à cabeca de Marina, no entanto, apesar das provocações, a artista não se mexe.
Violência, assédio e humilhação foram algumas das situações às quais a artista foi submetida quando entregou o seu corpo à audiência. No entanto, quando passadas essas 6 horas a artista se começa a mexer e reganha a vida para deixar de ser um objeto, o público dispersa-se, foge.
"O que retirei desta situação foi que nas tuas performances podes ir o quão longe quiseres, mas se deixares as decisões serem tomadas pelo público, podes ser morto." (Marina Abramovic)
A performance revela uma alienação perante o outro, de humano para humano, a necessidade de intimidar, de se sentir superior através da instigação do medo.
O público, quando apresentado com a possibilidade de instigar violência, sem serem responsabilizados pelos seus atos, aceitaram-no. Será que aquilo que nos impede de agir de acordo com os nossos impulsos mais primitivos, mais violentos é a nossa moral ou o medo, o medo de sofrermos as consequências dos nossos atos. Será que se a justiça não existisse, se não fôssemos julgados pelos nossos atos, conseguiriamos, segundo Aristóteles, viver pacificamente em comunidade, manter a ordem?
Aquilo que nos distingue essencialmente dos animais é a razão, a consciência, a capacidade de mantermos os nossos impulsos sob controlo, de suprimirmos o nosso instinto mais violento, mas o impulso mantêm-se, está lá.
Rhythm 0 revela-se como que um estudo, uma análise da mente humana e, talvez, chegue até mesmo a confirmar que a crueldade parece estar inscrita no adn humano e que, segundo Hobbes, o Homem nasce, de facto, mau.
Serão as guerras mesmo evitáveis quando estas existem há tanto tempo quanto a espécie humana, quando estamos desde a pré-história a lutar por poder, por status e pela necessidade de nos elevarmos face a outrém?