quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Sunset Boulevard

Esta terça-feira passámos no CineFbaul o filme Sunset Boulevard, de 1950, realizado por Billy Wilder. Apesar de já ter tido contacto com o filme há alguns anos, nunca o tinha visto na sua totalidade. Na verdade, este existe no mesmo universo de Mulholland Drive, o da produção cinematográfica e das aparências enganadoras de Hollywood. O curioso é que ambos os filmes têm por título uma rua de Los Angeles, possivelmente o de David Lynch em referência à obra prima de Wilder. Vários temas de Sunset Boulevard são ecoados em Mulholland Drive, a loucura da atriz, num, já ultrapassada, no outro, sem sucesso; a sombra da velha Hollywood, tanto a do cinema mudo como a da época de Wilder (anos 40 e 50); uma relação amorosa codependente em que uma das partes tenta controlar e possuir a outra. 
 Sunset Boulevard partilha esse ambiente insólito e macabro com o filme de Lynch, contudo, naquilo em que um é moderno, o outro é pura intensidade operática. Gloria Swanson (Norma Desmond) encanta o espectador com a sua teatralidade desmedida, com as suas expressões do cinema mudo, com os seus gestos grandiosos, com a estranha excentricidade e glamour de uma estrela decadente. O facto de o filme misturar a ficção com a realidade sem pudor, pondo antigas estrelas do cinema mudo a fazerem de si mesmas (Buster Keaton como companheiro de jogos de carta de Swanson), integrando no enredo factos biográficos dos próprios atores, gera uma sensação de veracidade que tanto repela quanto atrai o espectador. A personagem de Norma torna-se, além de fascinante, digna de piedade (o mesmo acontece com Diane em Mulholland Drive), no seu narcisismo enlouquecido encontramos uma humanidade surpreendente. Ela quase que é mais honesta nas suas convicções alucinadas do que o jovem argumentista Joe Gillis. 
 O filme transporta-nos para um mundo de ilusões e de valores morais questionáveis, entre a vontade de Norma Desmond de comprar a juventude de Gillis e a iniciativa do próprio em compactar com a sua prostituição. Esta relação de poder serve de analogia ao sistema cinematográfico, que usa a imagem do ator e o descarta quanto este já não lhe serve, enquanto ele se agarra fervorosamente a essa mundo indiferente.