Sunset Boulevard partilha esse ambiente insólito e macabro com o filme de Lynch, contudo, naquilo em que um é moderno, o outro é pura intensidade operática. Gloria Swanson (Norma Desmond) encanta o espectador com a sua teatralidade desmedida, com as suas expressões do cinema mudo, com os seus gestos grandiosos, com a estranha excentricidade e glamour de uma estrela decadente. O facto de o filme misturar a ficção com a realidade sem pudor, pondo antigas estrelas do cinema mudo a fazerem de si mesmas (Buster Keaton como companheiro de jogos de carta de Swanson), integrando no enredo factos biográficos dos próprios atores, gera uma sensação de veracidade que tanto repela quanto atrai o espectador. A personagem de Norma torna-se, além de fascinante, digna de piedade (o mesmo acontece com Diane em Mulholland Drive), no seu narcisismo enlouquecido encontramos uma humanidade surpreendente. Ela quase que é mais honesta nas suas convicções alucinadas do que o jovem argumentista Joe Gillis.
O filme transporta-nos para um mundo de ilusões e de valores morais questionáveis, entre a vontade de Norma Desmond de comprar a juventude de Gillis e a iniciativa do próprio em compactar com a sua prostituição. Esta relação de poder serve de analogia ao sistema cinematográfico, que usa a imagem do ator e o descarta quanto este já não lhe serve, enquanto ele se agarra fervorosamente a essa mundo indiferente.