Antes de me mudar para Portugal, estava entusiasmada com a ideia romântica de me reinventar num novo lugar, de ter uma nova oportunidade de vida com um começo "em branco". A realidade, no entanto, foi bem diferente.
Imigrar — e ainda mais imigrar sozinha — significa deixar para trás tudo o que se é. É abrir mão dos aspectos do meio que moldaram a nossa identidade, como a língua, a cultura, a família e os amigos. Este processo de deixar de ser quem éramos para nos reconstruirmos é longo, difícil e muitas vezes doloroso, uma experiência que me lembra o conceito de alienação de si de Marx, como uma fratura no Eu. Ao nos afastarmos das nossas raízes, surge essa sensação de nos estranharmos a nós próprios.
Durante o início da adaptação em um novo país, é comum que se tomem decisões que anteriormente não fariam sentido para nós, com a intenção de melhor se integrar. Às vezes, a percepção de que a própria identidade mudou ocorre em momentos banais. Por exemplo, eu percebi que já não me conhecia quando queria muito ir a um evento que exigia a compra de bilhete em grupo, e rapidamente percebi que nenhuma das minhas novas amizades se juntaria a mim nesse evento, que tinha tanto a ver com a minha identidade. O descompasso entre as novas amizades e os próprios gostos pessoais, juntamente com outras decisões que parecem não refletir a nossa identidade, são sinais dessa fratura e alienação de si.
Precisei reavaliar e reconstruir (novamente) a minha vida, reconectando-me comigo mesma. A transformação pessoal num ambiente novo tem muitos aspetos positivos: novas perspectivas, novos costumes e novos aprendizados que nos podem enriquecer culturalmente, ampliar a nossa visão e ajudar-nos a crescer. Este processo de adaptação cria uma nova subjetividade, alterando a forma como nos relacionamos com o mundo e nós mesmos.
Com o tempo, as coisas vão se encaixando e, a cada dia, sentimo-nos mais integrados na cultura local. Ao mesmo tempo, o imigrante que regressa ao seu país natal para visitar a família depois de muito tempo percebe que já não se sente completamente pertencente à sua cultura de origem, nem à cultura do país onde mora. Essa experiência ensina que o “Eu” pode transcender culturas, não estando necessariamente preso a um contexto cultural específico.
A imigração pode ser uma experiência desafiante que redefine de forma intensa toda a subjetividade de uma pessoa, alienando-a de tudo o que tornava o Eu, Eu, mas também revela o quão adaptável é o ser humano.