domingo, 17 de novembro de 2024

Costumava remar.

Na altura fui incentivado a juntar-me um clube de remo por colegas da minha secundária e facilmente aceitei por sentir que me deveria esforçar mais para ter um estilo de vida ativo e por, apesar de nunca ter sido versado em qualquer tipo de desporto, sempre ter tido uma certa admiração pelo mar e pelos desportos feitos na água.

A minha falta de aptidão desportiva não decidiu dar tréguas a este meu novo hobby o que fazia com que tivesse sistematicamente a pior performance do meu escalão. Apesar de tudo gostava do desporto, das pessoas que lá andavam, do espírito desportivo que havia entre atletas, das regatas a que ia, mas principalmente da rotina que os treinos criavam na minha vida. Estes factos fizeram-me continuar a treinar apesar de pelo caminho terem desistido de treinar os amigos que me tinham introduzido ao desporto.

Digo-te que remar é uma ação completamente monótona. O ato de remar implica sempre exatamente os mesmo movimentos, movimentos estes que são trabalhados para serem sempre nos “timings” certos, o corpo deve estar sempre na posição perfeita e toda a ação deve ser harmoniosa do princípio ao fim. A força exercida, principalmente pelas pernas, deve ser sempre constante durante todo o movimento, força esta que não é pouca, deve ser mantida igual durante o treino todo, que muitas vezes implicava séries de exercício que variavam de 30 minutos a 1 hora e meia. 

Isto e o facto de treinar seis vezes por semana fizeram com que na altura eu sentisse que estava num transe, a única maneira de lidar com a carga física durante o treino era abstrair-me do que estava a fazer “desligando” o cérebro durante as 2 horas de treino, conjugado com o cansaço que sentia durante o dia seguinte fez com que a minha perceção do tempo ficasse deturpada e sentisse que estava constantemente num limbo até ao treino seguinte. O ano e meio em que lá estive passou a correr.

Estranhamente não olho para trás para esta altura e vejo a situação de vida que descrevi acima como algo negativo, pelo contrário. Na altura era uma pessoa infeliz comigo próprio, sentia que estava num período de transição pessoal - já não era a pessoa que costumava ser, não gostava da pessoa que era nesse momento e não sabia o que queria ser no futuro. Este impasse pessoal, em retrospectiva bastante egocêntrico mas muito próprio para a idade, fazia-me procurar tudo e qualquer coisa que me abstraísse da minha realidade presente: jogos, companhia de amigos, música, etc., e na altura o desporto preencheu perfeitamente este buraco que precisava de encher na minha vida. 

Eventualmente acabei também eu por desistir do desporto, mas até hoje me questiono como é que tenho tanto amor e carinho por uma altura da minha vida da qual me lembro tão pouco. Sinto que parte disso vem de sentir que esse período de transição pessoal foi bastante importante para o desenvolvimento da pessoa que sou hoje, completamente diferente da que era na altura, mas não consigo de todo descartar a influência que a mera decisão de aceitar um convite de um amigo de começar a treinar com ele teve na minha vida. Até hoje mantenho esse mecanismo de defesa pessoal de tentar me isolar do mundo à minha volta para me salvaguardar, não sinto que isto seja algo positivo de todo para mim próprio mas é algo que já me ajudou bastante e moldou um pouco a minha maneira de ser e estar. 

Um dia gostava de voltar a remar para tentar perceber melhor se realmente tenho amor ao desporto ou se este sentimento foi apenas algo fruto da necessidade de me agarrar alguma coisa mas entretanto contento-me com a saudade de algo que pode ter nunca existido.