É um facto que tenho imensas coisas para te contar, começando desde já por te dizer que dei a volta ao mundo todo e tu nem sequer reparaste — nem quiseste saber — nem um dedo mexeste, nem viraste a cabeça para ver se eu estava bem. Agora, sei o nome de todas as árvores, mais o de todas as ondas do oceano — pois é, aposto que desta não estavas à espera — e o de todas as pessoas e de todos os medos do universo inteiro;
Depois disto, penso, só a
morte. Depois disto só a morte e um grito enorme suspenso algures nesta casa.
Traça-me o pescoço com a língua ou com outra coisa — não me importa, desde que
em seguida me arrumes os ossos por cores ou feitios ou o que achares melhor, é
como preferires, que eu confio em ti até de olhos abertos. Mas confesso que,
por vezes, me tiras do sério com essa tua mania de que és indestrutível, ainda
por cima sem saberes a arte de chorar para dentro e de te virares perfeitamente
do avesso mantendo a postura e o discernimento para que eu não repare que te
afogas em mim (deves achar-me estúpida, ou algo do género) — tu que te encostas
à ombreira da porta à espera que te queira, e eu quero-te.
Nisto, aproveito para te dizer
— talvez, por esta altura, já o saibas, mas, de qualquer forma, já que estamos
com as mãos na massa — que, tendo em conta a forma como as nossas mãos se
entrelaçam no vazio, posso afirmar com certeza que somos noivas, só nos faltam
as alianças, e os vestidos brancos, e os véus e, já agora, o amor, e um beijo
na boca que não nos traga o vómito à garganta.
Para além disso, e creio já ter
dito tudo o que é mais importante, suspeito que, por este andar — e presumindo
desde já que continuaremos esta nossa dança no abismo do nosso quarto ou, como
é que os franceses dizem: “La petit mort”: este morrer nos teus lábios e tu a
fingires que morres nos meus (deves achar-te muito esperta) — para o ano já não
nos veremos. Ah e, uma última coisa: sabes aquela planta com as folhas amarelas
na nossa marquise, ela não leva Sol a mais, tu é que lhe andas a dar demasiada
água.