terça-feira, 18 de novembro de 2025

A assustadora fusão entre audiência e performer e todos os avisos do subestimado Bo Burnham.

 Como criatura nascida em pleno século XXI que sou, o meu crescimento e anos formativos foi inevitavelmente acompanhado pela internet e a estandardização das redes sociais. (creio que nunca tivemos a melhor das relações…) 

  Nos anos 2000 a internet passou a ser um espaço diferente do que era, passou a uma plataforma com wikis, aplicativos baseados em folksonomia, redes sociais, blogs e Tecnologia da Informação (Web 2.0). E eu reconheço a grande inovação que foi, mas também reconheço que crescer com a pressão social de socializar e estar presente tanto no mundo real como no virtual não foi fantástico… Uma obrigação geracional de estar constantemente a performar. E essa performance ser motivada por “likes” e a quantidade de amigos ou seguidores que se tem, na linguagem de Marx, é capital social, só reduzido a notificações, que naturalmente mexe com a cabeça dos seus usuários. Este grande boom tecnológico tudo tem que ver com o capitalismo, que se baseia na exploração do trabalho humano, baseia-se em vender a força de trabalho, em que o trabalhador em si recebe muito pouco em troca para beneficiar maioritariamente os patrões e as grandes empresas. A partir do momento em que é normalizada a ideia que neste mundo virtual qualquer pessoa pode ser um produto consumível, a sua imagem é o seu trabalho e o seu estilo de vida a mercadoria que é vendida, chegámos claramente a um estado de capitalismo avançado.

  Não consigo pensar em ninguém que comente tão bem a experiência de obter uma grande audiência através da internet que Bo Burnham, comediante e cineasta que em 2006 tornou-se uma celebridade do youtube com apenas 16 anos de idade.Faz o seu primeiro especial de comédia ao vivo ”Words, Words, Words” em 2010, “what.” em 2013, e “make happy”, 2015 em que Burnham acaba o especial com uma conversa honesta com a sua audiência.

“This show is about performing,(...) I worried that making a show about performing would be too meta, it wouldn’t be relatable to people who aren’t performers. But what I found is that I don't think anyone isn’t (...) social media is just the market’s answer to a generation that demanded to perform. So the market said “here, perform everything to each other all the time for no reason” it’s prison, it's horrific, it is performance and audience melded together. What do we want more than to lie in our bed at the end of the day and just watch our life as a satisfied audience member? ”

 É visível uma evolução gradual de um estilo e postura em palco maioritariamente superficial (o que lhe era incentivado pelas grandes empresas) para uma extremamente honesta e crítica do seu próprio sucesso e da indústria em que se inseriu.

Bo faz uma pausa nos espetáculos ao vivo e cria “Eighth Grade” , uma longa metragem que retrata a ansiedade e necessidade de performar no dia-a-dia de uma rapariga de 14 anos. Agora em entrevistas Bo pode finalmente dar a sua visão do mundo sem personagem nem filtros.

 “Kids are walking through this meta virtual reality world. It’s not that they think the world in their phone is real, it’s they think the world in the real world is virtual and that this is just a thing to be seen and everything i’m doing is actually a performance that can be captured and looked back on at any moment”. 

- Esta realidade de alienação cria gerações apáticas e tão distanciadas do mundo que as rodeia como de si mesmas, com a ideia que cada momento da vida humana pode e deve ser consumível.

  “We used to colonize land, that was the thing you could expand into and that’s where money was to be made, we colonized the entire Earth, there was no other place for the businesses and capitalism to expand into and then they realized: human attention. They are now trying to colonize every minute of your life (...) every single free moment you have is a moment you could be looking at your phone and they could be gathering information to target adds at you. That’s what’s happening.” 

- Cá está, desde que o telemóvel evoluiu de simplesmente fazer chamadas e enviar sms e passou a ser um computador

nos nossos bolsos a toda a hora, já não é preciso sair de casa ou ligar a televisão para ver anúncios e publicidades que dão lucro às grandes empresas que possuem as aplicações que se foram normalizando e invadindo as nossas vidas a pouco e pouco. Em 2021 sai “Inside” um especial feito em pleno isolamento e quarentena da pandemia começada em 2020 onde vimos o uso da internet inevitável, para trabalho, socialização e entretenimento tudo na mesma caixinha de luz que faz mal aos olhos. Creio que todos sentimos o efeito que esse isolamento teve na nossa saúde mental, e Bo Burnham decide registar a sua própria experiência de uma maneira inteligente, relevante e cativante onde retrata o fenómeno da internet e todos os seus efeitos secundários principalmente neste período de isolação e alienação. Uma peça que representa a reflexão sobre as consequências de crescer com a internet, depender de uma audiência, tentando ainda concretizar as suas necessidades de produção artística e criativa.

 Posso nunca ter lidado com os problemas de apelar a uma audiência no contexto de espetáculo, mas já fui uma rapariga de 14 anos a navegar o mundo real e virtual e posso confirmar que senti de facto essa alienação, sempre uma necessidade de representar a tua melhor e mais ampliada versão, com todos os filtros possíveis e imagináveis, cara mais fina, nariz mais magro, enquanto no mundo real tornavam-se mais apáticos, no mundo virtual, mais confiantes. A nossa grande audiência foram as pressões sociais que víamos representadas, arruinámos a maneira como víamos a nossa própria imagem e também o mundo real, isto enquanto três bilionários enriquecem ao custo da nossa capacidade crítica. Acho que Marx não ia gostar.