terça-feira, 25 de novembro de 2025

A efemeridade da imagem

     Atualmente a fotografia é algo banal. Levamos o telemóvel no bolso, apontamos, carregamos num botão e seguimos. Guardamos centenas de imagens por semana, milhares por mês, que se perdem numa galeria onde quase nunca voltamos. A facilidade com que registamos tudo parece, paradoxalmente, fazer com que nada permaneça. Aquilo que antes seria um momento único e irrepetível transforma-se agora numa série infinita de fragmentos visuais que desaparecem tão depressa quanto surgem.

Olhamos para trás, percebemos que houve um tempo em que cada imagem exigia esforço, técnica e preparação. No século XVIII, Louis Daguerre impressionava o público com os seus dioramas, onde jogos de luz podiam transformar uma letra vermelha em preta ou fazê-la desaparecer completamente, dependendo da cor da iluminação. A imagem era algo quase mágico, resultado de um processo físico e controlado, uma construção paciente entre luz, matéria e engenho. Nada tinha da instantaneidade com que hoje fotografamos um pôr do sol através do vidro do carro.

Outros processos, como a litografia, lembram-nos o peso material da imagem. O desenho feito com gordura sobre uma pedra calcária, a água que repousa onde a gordura não está, o rolo de tinta que circula, e finalmente o papel que surge como superfície final. Tudo isto transformava a imagem num objeto, num gesto físico. Rembrandt, antes mesmo da invenção da fotografia, explorava a gravura como forma de capturar luz e sombra através do toque direto da mão. Cada impressão era um acontecimento, cada cópia tinha valor porque existia num número limitado, finito, palpável.

Com a fotografia, esse cuidado ainda persistia. Fox Talbot, usando papel sensível e hiposulfito de sódio, criou The Pencil of Nature em 1844, um livro com apenas catorze fotografias. Catorze. Hoje tiramos mais do que isso antes de acabar o pequeno-almoço. Mas para Talbot, cada imagem era uma descoberta, um esforço químico, uma tentativa de fixar o mundo numa superfície frágil. Também o ponto de vue du gras, considerado a primeira fotografia do mundo, demorou horas de exposição. A imagem não era um registo casual: era quase uma conquista.

Há um momento crucial na história das imagens: a invenção do cinema. Pela primeira vez, uma forma visual exigia eletricidade para ser vista. O movimento, a luz e a técnica tornaram-se inseparáveis. A imagem deixou de ser apenas algo que se observa e passou a ser algo que acontece. Mas mesmo aí, no início, cada segundo filmado custava tempo, preparação e dinheiro. A imagem tinha peso.

Hoje, porém, vivemos num regime contrário. A rapidez com que fotografamos retira às imagens a espessura que outrora tinham. Uma paisagem captada num segundo deixa de ser um momento vivido e torna-se apenas mais um ficheiro entre milhares. Ao mesmo tempo que registamos tudo, parece que guardamos pouco. Já não olhamos para demorar; olhamos para captar. Já não fotografamos para preservar; fotografamos para seguir em frente.

A abundância tornou-se uma forma de esquecimento. Onde antes uma fotografia de família conservava a história de gerações, agora perdemo-nos em duplicados do mesmo gesto, da mesma viagem, da mesma refeição — imagens que acumulamos porque são fáceis, mas que não se transformam em memória. A efemeridade digital cria uma ilusão de guarda, quando na verdade nos afasta da experiência.

O que antes era raro tornou-se automático. E  nesta transição perde-se o cuidado, a exigência e precisão em fazer algo bom e com valor. Porque agora qualquer edição resolve o problema e antes dependia do esforço de cada um para que a imagem fosse bem representada. Talvez seja por isso que sentimos que vemos mais, mas lembramos menos.

É necessário que volte este rigor com a representação para que se recupere também a importância em retratar algo bem feito que futuramente trará maior satisfação associada, seja da produção de um filme, retrato de uma paisagem ou ate mesmo uma fotografia a um animal. Algo bonito metesse esse trabalho acrescido para que seja bem representado.