Hoje em dia parece que toda a gente já sabe tudo sobre sexo. Ou pelo menos é essa a imagem que se vende. É quase obrigatório ter experiência, estar sempre preparado, não mostrar inseguranças, parecer natural… mesmo quando nada disto é realmente natural. Há uma espécie de guião invisível que nos diz como devemos agir, como devemos desejar e até como o nosso corpo deve parecer quando estamos com alguém.
E o mais estranho é que ninguém escreveu este guião, ele simplesmente existe, e nós seguimos.
É um daqueles casos em que percebemos que o poder não vem sempre de cima. Simplesmente espalha-se pelos pequenos gestos, pelas conversas entre amigos, pelos vídeos no TikTok, pelas “dicas” em podcasts que prometem ensinar-nos como ser perfeitos na cama ou como impressionar alguém. De repente, todos têm opiniões sobre como o nosso corpo devia funcionar, como devíamos comportar-nos, o que devia excitar-nos, o que devia envergonhar-nos. E nós, quase sem perceber, vamo-nos moldando a isso.
Nas mulheres, esta pressão é ainda maior. E é impossível não pensar naquilo que Simone de Beauvoir dizia: não se nasce mulher, torna-se. Às vezes parece que também não se nasce desejável, torna-se, desde que se cumpra uma lista invisível de expectativas que nunca fomos nós a escrever. É a mesma lógica antiga, só com filtros modernos: ser atraente mas não “demasiado”, confiante mas não “fora do lugar”, experiente mas não “promíscua”. Um ideal contraditório que se repete, mesmo quando achamos que já o deixámos para trás.
E a verdade é que isto acaba por tirar a graça às relações. Porque, em vez de estarmos presentes, estamos a avaliar-nos por dentro. Será que estou a fazer bem? Será que pareço confiante? Será que isto é normal? É como se estivéssemos a ser observados, mesmo quando estamos só com uma pessoa. Uma espécie de vigilância silenciosa que nos deixa presos à "performance", em vez de ao sentimento.
O que devia ser vulnerável virou espetáculo. O que devia ser encontro, virou comparação. O que devia ser liberdade, virou pressão.
No fundo, ninguém fala disto, mas quase toda a gente sente. E é curioso como este controlo não é imposto por uma lei, nem por uma autoridade, somos nós próprios que o reproduzimos, uns nos outros, mesmo sem querer. É o tipo de poder mais eficaz: aquele que parece natural.
Talvez valha a pena lembrar que não existe maneira certa de ser, nem de desejar, nem de viver o próprio corpo. Que os papéis que cumprimos foram aprendidos, não herdados. E que, se são aprendidos, também podem ser desaprendidos.
No fim, talvez a verdadeira liberdade esteja em largar um bocadinho o guião. E permitir que as coisas aconteçam antes de tentarmos “parecer” que sabemos o que estamos a fazer. Afinal, ninguém tem de ser perfeito. Basta ser honesto connosco e com quem está connosco.
Porque, às vezes, é no que escapa às regras que finalmente respiramos.