quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Entre a Crítica e o Consumo: Adorno, Horkheimer e o Cinema da Indústria Cultural

 O cinema, que nasceu como promessa de arte popular, tornou-se, para Adorno e Horkheimer, o exemplo mais claro daquilo que chamaram de indústria culturalum sistema que transforma a criação em produto e o espectador em consumidor. A tela, antes espaço da imaginação e criação, converte-se em vitrine: cada imagem vem calibrada para satisfazer e repetir o já conhecido. Hollywood, com sua maquinaria narrativa e estética, parece encarnar perfeitamente esse diagnóstico. O brilho e a emoção que oferece são, ao mesmo tempo, instrumentos de padronização.

Hoje, o cinema expandiu-se para o universo digital, mas a lógica da indústria cultural permanece quase intacta. Plataformas de streaming e franquias globais, como o universo Marvel ou as produções da Disney, mostram como a repetição tornou-se método. Cada filme é um fragmento de uma engrenagem que se retroalimenta através de trailers, produtos, séries derivadas, merchandising. O espectador é convidado a reconhecer padrões familiares, não a pensar. Adorno diria que a diversão oferecida pela indústria cultural é uma forma de “fuga que nos impede de fugir realmente”: uma distração que reforça o conformismo.

No entanto, há momentos em que o próprio cinema parece tomar consciência dessa engrenagem. Barbie (Greta Gerwig, 2023), por exemplo, encena o espetáculo da mercadoria e o ironiza ao mesmo tempo. O filme é produto de uma das maiores corporações do entretenimento, mas também propõe uma reflexão sobre o poder das imagens e sobre a forma como o feminino é produzido e consumido culturalmente. É como se a crítica de Adorno e Horkheimer se tornasse parte do próprio roteiro onde a indústria cultural digerindo e vendendo sua autocrítica como mais um espetáculo.

Assim, o cinema contemporâneo oscila entre a padronização e a possibilidade de consciência. Adorno e Horkheimer talvez vissem nisso uma contradição inevitável: mesmo dentro da cultura de massa, lampejos de reflexão ainda podem surgir, ainda que envoltos em cor-de-rosa e plástico brilhante. O desafio é perceber, por trás da superfície do entretenimento, as forças que moldam o nosso olhar e reconhecer que, no fundo, o cinema continua a ser um espelho da nossa própria alienação.