segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Eu e as vozes

Simone de Beauvoir escreveu que “não se nasce mulher, torna-se mulher”, e apesar de já ter lido esta frase várias vezes, abordá-la numa aula, tanto à frase como à própria Simone de Beauvoir, criou algum tipo de “reação”em mim. 

Na aula de Cultura Visual falámos da construção social do género, e isto relacionou-se a um detalhe que nunca pensei que me fosse tocar tanto, a ideia de que para muita gente, a voz que ouvimos dentro da nossa própria cabeça é de influência masculina.


Mas também pensei, se é realmente esta voz masculina para as pessoas, porque não imagino ser o meu caso. Será que esta voz comenta, organiza e narra o pensamento é masculina? Somos sequer capazes de pensar com outras vozes, ou é sempre a nossa voz mas apenas com influências diferentes? 


Usando a influência de Beauvoir, esta voz interior deixa de ser um simples fenómeno psicológico e passa a ser um espelho da cultura em que crescemos. Desde sempre, desde que ouvimos, as vozes que explicam o mundo seja nos filmes, nos livros, nas notícias, nas aulas, etc, são maioritariamente masculinas. É como se o narrador autorizado da realidade tivesse género. Mas isso é o que nos é passado, e queria muito saber se é uma coisa pela qual nos deixamos realmente influenciar.


O professor referiu que pode ser uma questão de informação, e o que mais me custou foi perceber que esta tendência não aparece só quando temos pouca informação, mas também quando temos muita, que acredito que seja o caso hoje em dia. Ou seja, mesmo quando aprendemos, mesmo quando ampliamos referências e ganhamos consciência crítica, a voz interior continua a ter o mesmo timbre? 


Quem é que vemos a falar? Quem é que aparece como autoridade? Quem é que representa o conhecimento? Se as imagens que consumimos moldam a forma como vemos o mundo, faz sentido que também moldem a forma como nos ouvimos por dentro. E será que por mais que conheçamos o mundo e as mulheres e o seu poder, alguma vez na história a representação será tão importante como é para o lado dos homens? Porque as mulheres fizeram, criaram e foram tão importantes quanto o sexo oposto. 

Será esta “maldição” alguma vez quebrável? Alguma vez vamos fazer questões e o primeiro nome que nos vem à mente vai ser uma mulher? Não por nosso conhecimento próprio, mas porque nos foi passado? Ou vamos apenas continuar este ciclo sem sim, sem nos apercebermos? 


Reler um pouco de Beauvoir a partir desta perspetiva faz a frase dela expandir-se, talvez também não se “nasça” com uma voz interior masculina, torna-se, plantam-na em nós. 

E  agora consciente disso, começo a perguntar-me que outras vozes poderiam existir dentro de mim se lhes der espaço. 


A nossa cultura tem muita força e influência não só naquilo que vemos, mas também na forma como pensamos. E é urgente fazê-lo da forma certa.