Sinto que estou agarrada a uma droga que me foi imposta, normalizada. Feita de maneira a que cada um se afogue no conteúdo que lhes é dado. É feito à nossa medida, com as músicas que gostamos, com notícias conforme os nossos ideais políticos. Um bocado como no "admirável mundo novo" de Aldous Huxley em que nesta sociedade fictícia se toma uma droga chamada soma. Qualquer problema, qualquer tristeza, soma tem a solução. Esta droga é fornecida pelo estado que dita este mundo, e fica mal visto na sociedade não comparticipar.
Sinto-me presa a este mini computador que anda comigo para todo o lado, vejo demasiadas coisas, perco-me facilmente no meio de tanto conteúdo e frustra-me terem conseguido ser tão eficazes com esta criação. Vejo-me forçada a tornar-me mais apática de modo a não enlouquecer com a quantidade de anúncios, vídeos, imagens e notícias dos mais variados temas que me são bombardeados cada vez que abro qualquer aplicação. Mas ao mesmo tempo é um "quick fix" de dopamina que se torna cada vez mais difícil de obter com outros meios dado ao hábito de recompensa rápida que tem esta forma de media.
É um pequeno sufoco. Poderia fazer a relação com Saussure no âmbito da linguagem, a relação significante/significado, estramos constantemente a ser chamados, mas confesso que vejo-o mais como a experiência dos cães de Pavlov. A modificação de alguns comportamentos com base nos efeitos do binómio estímulo/resposta sobre o sistema nervoso central dos seres vivos. Ao invés de o som da campainha estar associado a comida, o som das notificações está associado à ideia de alguém nos estar a chamar. Nesta situação esse "alguém" divide-se entre pessoas (amigos que nos mandem uma mensagem ou vídeos que viram e pensaram em nós), o próprio telemóvel (atualizações de sistema, etc), ou até aplicações quando não são usadas com a frequência que seria esperado utilizá-las, por vezes também nos são enviadas notificações só para relembrar que não estamos tão presentes naquele mundo como "devíamos".
E é feito para que cada vez que ouvimos o som de uma notificação pensarmos que é alguém que nos chama por querer a nossa atenção quando na realidade esse "alguém" pode nem ser realmente uma pessoa.
Não quero que a minha atenção seja vítima deste sistema, reconheço que nasci nele e será difícil ou até mesmo impossível conseguir abdicar a cem por cento deste meio de comunicação mas reconheço também que me anda a apodrecer neurónios e a mudar a maneira como poderia viver a vida. Ter uma ferramenta de trabalho, meio de lazer e meio de comunicação tudo num só, sempre connosco, torna-se mais difícil de separar uma coisa das outras. Acontece-me com mais frequência do que gostaria de admitir, ir fazer pesquisa para um trabalho e receber uma notificação de um amigo a escrever-me uma mensagem, pensar que pode ser importante para logo a seguir ver que era só para me enviarem um videozinho engraçado, vejo-o, expiro pelo nariz como quem ri uma singular gargalhada sem som, e o meu dedo automaticamente desliza para cima para ver o conteúdo que segue, e eu não quero fazê-lo, há tantas coisas mais importantes a que tenho de prestar atenção. Desligo o telemóvel em frustração e tento continuar a minha pesquisa.
A experiência de viver dia-a-dia com acesso a tudo no bolso do casaco torna-se uma salganhada de emoções. Bipolaridade induzida em menos de cinco minutos de consumo deste "short form content".
As constantes notificações são algo que me torna mais reativa e não num bom sentido. Sinto-me mais agitadissa, ansiosa e apática, nem nos momentos que me trazem alguma felicidade são realmente uma felicidade genuína, e isto tudo para quê?
Para continuar a beneficiar os três bilionários que controlam o que praticamente toda a população consome? Não obrigada, mais rapidamente punha o meu telemóvel numa batedeira.
Agora, se me permitem, vou lá fora apanhar ar.