penso muito naquela cena do filme Odisseia no Espaço do Stanley Kubrick, quando o monólito aparece e presenciamos à rivalidade daqueles dois grupos da mesma espécie e o momento visceral quando matam um dos seus. a presença mística que considero que o monólito seja, também como metáfora para evolução, traz a compreensão cognitiva de que o corpo também sofre mudanças e dá-se o momento em que se apoiam pela primeira vez apenas nas patas traseiras.
no mundo natural, cada um é dotado de tudo o que necessita para sobreviver: garras, dentes e instinto de sobrevivência. muitos, senão quase todos, a comunidade também é um dado imprescindível. sabemos que existe uma harmonia, uma razão de ser das coisas, um organismo auto-sustentável. o que se tira, é reposto naturalmente, porque apenas é retirado o necessário. nesta cena, é retirada uma vida. sem propósito e sem necessidades. a utilização do osso enquanto arma abre um caminho anti-natura. é formada uma nova linguagem.
faço a ponte desta nova formação linguística com os estudos de Marx, sobre o mundo natural e as suas transições para o mundo da cultura.
um osso seria apenas um osso, deixado naturalmente para se desintegrar depois de ter sido devorada a carne que o envolvia e de ter feito parte de um esqueleto que sustinha um corpo. quando o macaco decide pegar nesse mesmo osso e dar-lhe outra funcionalidade, dá-se a transição. apartir daí, o osso nunca mais será apenas um osso. é-lhe dado agora um novo valor.
esse valor vem acompanhado de consequências. cada vez que algo natural passa para cultural, a meu ver, é perdida uma ligação e formada outra que é o seu oposto; comecámos com 4 membros no chão e agora voamos. a nossa distância para a Terra vai tornando-se cada vez maior, e o nosso olhar, mais para cima, cada vez menos natural. a verticalidade do ser humano, distanciou-o do mundo que o gerou.
vivo na dualidade de que a nossa evolução faz parte de um ciclo natural, mas ao mesmo tempo não sei se era suposto termos chegado até aqui. criámos o nosso próprio sistema de regras e a nossa ascensão deu-nos, penso eu, uma falsa sensação de controlo. no final do dia, a selecção natural ocorrerá e não existe forma de a contornar. o valor das coisas retornará ao seu verdadeiro significado e a natureza seguirá o seu caminho.