A palavra “sexualidade” para muitos sempre foi uma palavra controversa, proibida, suja ou até mesmo um conceito que apenas quem fosse suficientemente desinibido se atreveria a estudar e decifrar. Foi o caso de Michel Foucault, um filósofo francês de quem não ouvia falar desde a época da minha escolaridade francesa.
Para Foucault, a sexualidade não é entendida como um instinto natural reprimido pela sociedade, mas como um campo historicamente construído onde se cruzam saber e poder. A partir do século XVII, em vez de se “calar” o sexo, a modernidade multiplicou os discursos sobre ele: médicos, juristas, padres, professores, psicólogos e, mais tarde, psicanalistas começaram a interrogar, classificar e normatizar comportamentos, desejos e identidades. Este dispositivo da sexualidade transforma práticas em identidades e faz da vida sexual o suposto núcleo da verdade sobre cada um de nós. Assim, a sexualidade torna-se um instrumento central de poder, não apenas porque define o que é permitido ou proibido, mas porque produz categorias de normalidade e desvio e organiza a forma como nos percebemos a nós próprios.
Nos dias de hoje, a relação entre sexualidade e poder vê-se na forma como os nossos corpos, desejos e identidades são constantemente avaliados, expostos e geridos por múltiplas instâncias: medicina, psicologia, redes sociais e aplicações de encontros. Fala-se de sexo com uma liberdade aparente, mas essa liberdade vem acompanhada de uma chuva de normas implícitas sobre o que é “saudável”, “atraente”, “normal” ou “problemático”, desde o corpo ideal de influencers e modelos de passerelle até às categorias (“ativo/passivo”, “masculino/feminino”, “fit/normal”). Ao mesmo tempo, campanhas de saúde, discursos sobre consentimento, políticas de educação sexual e debates em torno do género e da orientação mostram como a sexualidade continua a ser um tema recorrente. Seguindo Foucault, não vivemos num tempo em que o sexo foi simplesmente libertado, vivemos num tempo em que o sexo é permanentemente falado, medido e categorizado, tornando-se um dos principais campos onde o poder atua, ao mesmo tempo que nos promete autenticidade e emancipação.