domingo, 23 de novembro de 2025

Tornar-me mulher: a construção da feminilidade hoje

Numa das aulas desta disciplina, surgiu a citação da autora Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. No contexto da obra “O segundo sexo” esta frase significa que a feminilidade não é um destino biológico, mas uma construção social e cultural, aprendida através da socialização e internalização das normas e papéis impostos pela sociedade. 
As normas que observo para “me tornar uma mulher”, hoje em dia, são um pouco assustadoras, já que observo à minha volta o ressurgimento de ideias machistas, misóginas e de violência contra as mulheres. Acredito que não seja a única a perceber este fenómeno, já que têm estreado séries como a “Adolescência” e tantos outros conteúdos que exploram esta questão… por algum motivo será. 
Para além disso, há dados recentes que mostram um aumento significativo das queixas de violência doméstica em Portugal, atingindo o valor mais elevado desde 2019. A maioria das vítimas são mulheres, o que é consistente com os padrões de violência de género.
A situação agrava-se também, com o aparecimento de “influencers” e políticos que conquistam cada vez mais público, pelas suas ideias misóginas e ódio por mulheres. 
Este é o mundo que observo ao meu redor.

Sendo eu uma jovem mulher a ver estes acontecimentos e o retroceder de ideologias, pergunto-me como é que, em pleno século XXI, ainda somos ensinadas a “tornar-nos mulheres” através de normas que nos diminuem, controlam e silenciam?

Acredito que, a sociedade dita inconscientemente certas regras.
O regresso a pensamentos conservadores reforça os papéis tradicionais, tornando a sociedade mais rígida e misógina, e, consequentemente, impõe uma feminilidade disciplinada. Desde cedo, lidamos com a pressão de sermos “corretas”, magras, bem vestidas e emocionalmente contidas. Ninguém nasce a saber maquilhar-se ou a posar para agradar… tudo isto é aprendido e incutido naturalmente em nós, somos educadas a sair de casa “impecáveis”, como se o nosso valor dependesse disso.
Já a nossa cultura contemporânea, acrescenta o elemento das redes sociais, onde mulheres, jovens e meninas aprendem a viver para o olhar dos outros, especialmente o masculino (male gaze), mas nunca a controlá-lo. 
As fotos e vídeos que retornam com likes e comentários, tornam-se uma infeliz ideia de validação externa. A forma como uma rapariga é vista e aceite por este público, depende da imagem que mostra: as poses, o estilo, a maquilhagem,… Aprende que o “eu” vale mais por aquilo que se vê no exterior e não pelo o seu intelecto ou sentimentos. 
Assim, tornar-se mulher é aprender a ser “observada”, enquanto que ser homem é aprender a “observar e julgar” . 
Por conseguinte, esta ideia intensifica-se com crescimento de "influencers", que como já referi anteriormente, influenciam jovens rapazes com ideias que a mulher deve servi-los e que não deve trabalhar, que deve obedecer, que vale pelo corpo e aparência que tem, que “o feminismo é um exagero” e que uma rapariga “decente” não mostra demasiado… mas depois, exigem que seja atraente e desejável.
Hoje, estas normas já não se impõem apenas pela família, a escola ou religião, espalham-se pelo entretenimento e pelos discursos virais que consumimos diariamente na nossa cultura.
A lista de regras é bastante exigente e longa, difícil de cumprir, e há quem tente e abdique de si em favor do outro, ou então, há quem simplesmente “não siga as regras”.
Acho curioso que, quando uma mulher se impõe, conhece o seu valor e se aceita, seja vista como uma ameaça e surgem inúmeros questionamentos, desde o seu percurso até chegar, por exemplo, a uma posição de poder, à forma como vive: se sustenta filhos ou gere a casa. Contudo, não se pode ignorar o facto de que uma mulher empoderada mexe com o ego de muita gente. 
Este exemplo, mostra perfeitamente como o machismo está enraizado na nossa sociedade, mesmo que, nem sempre o percebamos, pois, com um homem, nunca surgiriam dúvidas sobre a sua posição de poder. 
Esta situação, mostra claramente o que Beauvoir defende: não nos tornamos mulheres por amadurecimento natural, mas sim porque, somos educadas a ocupar um lugar específico na sociedade.
A frase de Beauvoir não é apenas uma reflexão do seu tempo, mas continua a ser uma verdade do nosso presente.
Penso que tornar-me mulher, hoje em dia, é enfrentar e negar estas regras impostas pelas sociedade. É reconhecer o meu valor, não deixar os padrões de beleza definirem quem sou, vestir-me como quiser e afirmar a minha voz. 
Ser mulher é acreditar em si mesma, ser feminista e recusar as ideias conservadoras, depois de tudo aquilo, pelo qual, as mulheres antes de nós lutaram, é um ato de coragem. Continuar essa luta, é garantir que nenhuma de nós tenha de pedir permissão para existir no nosso corpo, para pensar por conta própria e para falar sem medos.


“We teach girls to shrink themselves, to make themselves smaller.
We say to girls : “You can have ambition, but not too much. You should aim to be successful, but not too successful otherwise you will threaten the man”.
Because I am female I am expected to aspire to marriage.
I am expected to make my life choices always keeping in mind that marriage is the most important. Now marriage can be a source of joy and love and mutual support, but why do we teach girls to aspire to marriage and we don’t teach boys the same?
We raise girls to see each other as competitors, not for jobs or for accomplishments, which I think can be a good thing, but for the attention of men.
We teach girls that they cannot be sexual beings in the way that boys are.
Feminist: the person who believes in the social, political, and economic equality of the sexes.”
Chimamanda Ngozi Adichie

https://sicnoticias.pt/mundo/2025-09-12-mais-de-21-mil-vitimas-de-violencia-domestica-em-seis-meses-queixas-aumentam-26-5b27ecb8