Em Mitologias, e em particular no último texto do livro, uma análise teórica do Mito, Roland Barthes descreve a ideia da nação como o mito fundamental, capaz de naturalizar a ideologia burguesa, no campo político. Para Barthes, o mito da nação é o cimento da aliança da burguesia com a pequena-burguesia e as classes intermédias.
No entanto, parece-me que na realidade contemporânea da Europa, o mito nacional foi parcialmente substituído pelo mito da cidadania europeia. Ele forja uma identidade (a identidade europeia) que se pretende apresentar como natural, nas palavras de Barthes, “des-politizada”. Ou seja, o mito retira a contingência histórica da identidade europeia e elimina os vestígios da sua fabricação.
A desmistificação é, aqui, relativamente simples. A identidade natural é a do ser-humano e todas as outras construídas. Mas, ao contrário da ideia de nação, a europeia incorre noutra contradição: é duvidosa a ideia de que o povo português, por exemplo, partilhe mais semelhanças culturais com os povos do norte da Europa do que com os povos do norte de África.
Resta perceber a motivação desta transferência da centralidade dos dois mitos. Penso que ela corresponde precisamente a uma característica essencial do mito, a conservação das relações sociais e económicas. A criação do mito da cidadania europeia permitiu a transferência dos poderes que pertenciam aos estados nacionais (soberania monetária, política orçamental, …) para entidades supranacionais (Banco Central Europeu, Comissão Europeia, …). As decisões estratégicas de desenvolvimento nacional (política agrícola, definição das taxas de juro, política industrial, …) que outrora pertenciam ao poder democraticamente eleito, onde existe capacidade do poder popular condicionar as escolhas governamentais, foram entregues, sem objeção, a entidades que não representam o povo europeu (BCE) ou cuja ligação democrática é insuficiente (Comissão Europeia).
À semelhança do mito da nação, é conservado o imperialismo, que se alia a outro mito, o do exotismo, e à lógica colonial, que se faz contra o estrangeiro, mas também, do ponto vista económico, contra certos países da própria União Monetária (em certas questões, os países periféricos funcionam como o Outro, o estrangeiro, aquele que é necessário domesticar e educar).
