terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O poder do novo marketing da coca-cola


Quando a Coca-Cola lançou a campanha “Share a Coke”, com nomes próprios a substituírem o logótipo, eu nem sequer bebia Coca-Cola. Era um produto que não fazia parte do meu dia a dia, mas lembro-me de andar pelos corredores do supermercado à procura da lata com o meu nome, como se aquele pequeno objeto fosse, de repente, algo para mim. E é precisamente aí que percebemos a força desta campanha, e a sua capacidade de deslocar o foco do produto para o seu significado.

À primeira vista, parece apenas uma ideia criativa e divertida, mas, quando analisada , torna-se evidente que a Coca-Cola utilizou, de forma exemplar, a própria estrutura da significação visual para construir uma relação emocional com o consumidor.

Todas as imagens contêm uma mensagem linguística, que orientam a sua interpretação, e no caso da Coca-Cola este papel é desempenhado pelo nome próprio impresso na garrafa. Não é apenas tipografia: é um chamamento. A lata não diz “bebe-me”, diz “encontra-me”, “reconhece-te”. Eu, que não tinha qualquer hábito de consumo do produto, senti-me envolvida no jogo do reconhecimento, como se houvesse uma pequena missão pessoal naquele gesto de procurar o meu nome. Literalmente, a lata é só uma lata , e é a simplicidade da imagem que cria a sensação de naturalidade, como se fosse óbvio que o meu nome pudesse estar ali, pronto a ser descoberto. A dimensão conotativa, porém, é onde a campanha realmente ganha força: ativam-se valores culturais de pertença, individualidade, identidade e partilha. Procurar o nosso nome numa prateleira torna-se quase um rito contemporâneo, mesmo para quem, como eu, não consome o produto. E é exatamente isto, o modo como um objeto visual, aparentemente inocente, convence, convoca e constrói significados que ultrapassam o que mostra. A Coca-Cola transformou um refrigerante, que poderia ser apenas mais um produto descartável, num signo com carga emocional, capaz de mobilizar comportamentos e afetos. 

No fundo, a campanha funcionou porque tocou num ponto essencial: todos queremos ver-nos refletidos no mundo, mesmo que seja numa lata que nunca vamos beber. Nenhuma imagem é neutra — todas transportam um discurso, e às vezes esse discurso é tão eficaz que nos apanha desprevenidos, como aconteceu comigo, parada diante de um expositor, à procura de um nome que me confirmasse, de forma silenciosa, que aquela lata era, de alguma maneira, minha.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

A Integração da IA na Sociedade como ferramenta de Auxílio e Destruição

    O Chatgpt, que surgiu há precisamente três anos, trouxe consigo uma mistura de emoções e uma diversidade de opiniões. Ainda assim, não foi aceite uniformemente por todos como um modelo inteligente de acesso ilimitado. Recordo-me, no decorrer do primeiro ano desde a chegada desta plataforma, de observar que para alguns se tratava de uma invenção maravilhosa enquanto que outros continuavam a resistir à utilização da mesma. Existia uma apreensão geral na permissão do próprio utilizador em recorrer a um robô no dia a dia como algo tão banal como beber um café pela manhã. Para além dos receios conspiracionistas de que este chat iria saber e obter todas as nossas informações, existia ainda aquilo que agora parece ter-se evaporado: o receio do contacto entre o Homem e a Máquina. Este sentimento de apreensão e incerteza percorreu décadas acompanhando a evolução da tecnologia e, de certo modo, era uma forma instintiva de nos protegermos enquanto espécie, enquanto seres inteligentes. 

A chegada do Chatgpt foi mais um momento na história da nossa evolução em que recuámos antes de avançar com segurança. Mas as diferenças são significativamente maiores desta vez. Quando este modelo nos foi apresentado, a sua característica principal era a rapidez com que respondia às questões colocadas, quer fossem simples ou complexas, como uma receita para o jantar com os ingredientes que tenho em casa, quer fossem sobre filosofia e a fragilidade da vida ou a morte. Tudo isto nos trouxe uma falsa sensação de que nunca mais estaríamos sozinhos. 

O primeiro argumento apresentado para ajudar a dissipar a ideia de Máquina Maléfica que irá dominar o Mundo, foi explicar de que forma foi criada. Antes de mais, foi criada por nós e por isso poderá ser eliminada por nós (algo que hoje já não parece tão certo), e foi programada por humanos para responder a questões servindo-se de toda a informação que consegue encontrar online, desde sites, livros, filmes, imagens, música, tudo o que na verdade foi uma criação nossa e por isso responderá de forma semelhante a nós. Deste modo, a IA passou de uma ideia geral de medo e controlo para uma utopia do progresso. Na base desta discussão, existem inúmeros argumentos e exemplos de como ter inteligência artificial inserida de forma orgânica no quotidiano nos pode trazer benefícios. Na área da saúde, em análise de dados com menor margem para erros, para prevenir acidentes e catástrofes, para aumentar a segurança, etc. Mas todos estes argumentos prolongam o acesso irrestrito à mesma, como se não pudesse ainda representar uma ameaça. 

A total ausência de regulamentação para a utilização desta ferramenta fez com que a mentira passasse a ser verdade e, consequentemente, que essa verdade passaria a ser cada vez mais difícil de se provar mentira. Chegar ao ponto em que enquanto sociedade devemos duvidar de tudo antes de acreditar no que quer que seja, levou-nos para uma nova dimensão de problemas com os quais nunca tínhamos lidado anteriormente. A identidade deixou de ser construída por experiências, pelo acesso livre à arte, por caminhos que queremos percorrer porque nos parecem mais justos. A chegada da IA é uma ameaça ao pensamento crítico e individual. 

A dualidade deste fenómeno não nos permite tomar posições ou até mesmo decisões porque a resolução dos problemas que surgiram estão nas mãos de quem a criou. A extensão destes mesmos problemas corroeu o que era necessário em nós para a combater. Do ponto de vista metafórico, não existe diferença entre uma arma nuclear e a inteligência artificial. A IA sempre foi uma bomba prestes a explodir, uma descoberta fascinante que pode não passar de um erro disponível para todos, como um presente envenenado. 

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Poor Things

O princípio da linearidade do significante, formulado por Ferdinand de Saussure, estabelece que o significante, a componente material do signo, se desenrola sempre numa cadeia temporal, sequencial e unidimensional. Esta linearidade não é apenas uma condição estrutural da linguagem, mas também uma condição de inteligibilidade, ou seja, só conseguimos produzir sentido ao ordenar elementos numa sucessão coerente. Para este segundo momento decidir utilizar Poor Things, filme do realizador grego Yorgos Lanthimos, na qual este principio formulado por Saussure torna-se particularmente relevante, uma vez que tanto a construção narrativa como a própria constituição identitária de Bella Baxter desafiam precisamente esta linearidade tradicional.

Bella é uma figura cuja existência descontrói qualquer cadeia narrativa convencional. A sua história não se organiza numa progressão linear típica começando no nascimento, crescimento e amadurecimento mas sim numa recomposição radical, na qual já nasce  adulta, com uma consciência que se desenvolve de forma acelerada, fragmentada e descontínua. Assim, a personagem encarna uma espécie de quebra da linearidade do significante, pois aquilo que deveria constituir uma sequência temporal estável é substituído por saltos abruptos de aprendizagem, desejo e linguagem. A fala de Bella inicialmente rudimentar, depois extraordinariamente articulada, demonstra esta tensão entre linearidade estrutural e expansão desordenada do significado. A evolução linguística não segue um percurso gradual, mas sim uma explosão sem continuidade previsível.

Por outro lado, esta obra também mostra como a sociedade procura impor cadeias lineares normativas, a sequência esperada de comportamentos femininos, sexuais e sociais. Bella resiste a esta cadeia, recusando a narrativa feminina convencional e reclamando uma liberdade que rompe com a ordem simbólica dominante. A linearidade do significante, enquanto metáfora estrutural, permite perceber como a linguagem e a norma tentam por Bella num percurso normativo, enquanto a sua própria vida, sexual, intelectual e emocional, insiste numa não-linearidade radical. Poor Things torna-se, assim, uma reflexão sobre a possibilidade de reinventar o próprio significante de si, para além das linhas que a sociedade impõe. 

terça-feira, 25 de novembro de 2025

ALGO QUE EU NÃO ESCOLHI

 Para mim, ser gay é a pior coisa que pode acontecer.

Em vários momentos, senti que ser gay era menos uma característica minha e mais uma condenação. E a descoberta, em vez de libertadora, foi apenas super solitária, confusa e preenchida por uma sensação constante de não-pertencimento.

Cresci rodeado de comentários, de piadas, de observações sobre a minha forma de ser. A minha personalidade sempre foi encaixada num estereótipo, muito antes de eu entender o que realmente sentia. Na altura não percebia e acreditava que isso não me afetava, mas cada comentário deixou marcas, fazendo-me genuinamente acreditar, de forma forçosa, durante vários anos, que eu podia ser hétero. Quase como se esse fosse o caminho mais seguro.

Mesmo quando finalmente reconheci que era homossexual, o processo não se tornou mais simples. Pelo contrário, tornou-se ainda mais solitário. Ninguém á minha volta passava pelo mesmo. Os primeiros afetos surgiram como impossibilidades: rapazes MUITO inalcançáveis, amores MUITO improváveis e um silêncio que me acompanhava de forma diária. Durante muito tempo, achei que nunca iria encontrar alguém com quem pudesse partilhar essa experiência de forma verdadeira.

Também tive dificuldade em sentir-me parte da comunidade gay. Em vez de acolhimento, encontrei um ambiente marcado pelo descartável, por relações rápidas e relações que raramente ultrapassavam o superficial. Acabei por entrar nesse meio, pois parecia-me ser a única forma de ter algum relacionamento correspondido, mas, em vez disso, fiquei apenas frustrado e enojado. Foi como se a minha identidade estivesse sempre a ser moldada por fatores externos: ora pela reprovação dos meus pais, ora pelas expectativas sociais, ora pela própria cultura que circunda a comunidade.

E é curioso perceber como a sexualidade nunca é apenas íntima. Ela é social, política, pública, disciplinada. É regulada por normas invisíveis que definem o que é aceitável, desejável e reconhecível. Muitas vezes, senti que não tive espaço para descobrir quem eu era apenas para reagir ao que o mundo me dizia que eu devia ser. E isso é algo realmente péssimo, pois apesar de ter sido um dos períodos mais felizes da minha vida, foi também o mais desesperador, pois a única coisa que eu queria era ser amado, e parecia impossível.

Hoje, apesar de assumir a minha identidade aos meus amigos e ALGUNS familiares, ainda carrego cicatrizes deste desenvolvimento. E, honestamente, se pudesse escolher, talvez tivesse escolhido outro caminho referente á minha sexualidade. Não por vergonha, mas pelo cansaço de ter vivido tantas batalhas interiores e exteriores apenas para existir.

No entanto, começo a compreender que a sexualidade não é uma sentença, mas algo muito mais profundo que infelizmente envolve o mundo em que escolhemos viver. Algo cheio de camadas: pessoais, familiares, sociais e históricas. Reconhecer isso não apaga a dor, mas ajuda de certa forma a perceber que não nasceu dentro de mim, nasceu do mundo.

E é talvez nesse entendimento que começa, lentamente, algum tipo de liberdade.

Relação do surgimento da inteligêcia artificial com o surgimento da fotografia

A produção de imagens com inteligência artificial tem provocado reações muito semelhantes às do  surgimento da fotografia no século XIX. Em ambos os casos, uma nova tecnologia visual rompe com formas tradicionais de criação e abala as certezas culturais sobre o que é arte, autoria e verdade. 

Quando a fotografia apareceu, muitos artistas receberam-na com fascínio e temor. A capacidade de registrar o real com precisão parecia extraordinária, mas ao mesmo tempo ameaçava o trabalho de pintores. O caráter “mecânico” levantou dúvidas sobre seu valor artístico e se poderia expressar subjetividade. Além disso, a possibilidade de reproduzir imagens em massa, de manipulá-las e de utilizá-las como prova da realidade confrontou a sociedade com novos dilemas éticos e epistemológicos.

Hoje, as imagens geradas por AI trazem esses mesmos debates ao de cima. A rapidez e o realismo destas imagens despertam receios entre fotógrafos, ilustradores e designers, que veem o seu trabalho confrontado por sistemas capazes de produzir resultados complexos em segundos. Assim como o surgimento da fotografia levou à discussão sobre o que é arte, a AI desafia as noções de autoria, originalidade e também o que é arte. A confiança na imagem como documento ou arquivo enfrenta agora uma crise ainda mais profunda com imagens “fake” e composições indistinguíveis do real.

Tanto no século XIX quanto no XXI, a sociedade vê-se obrigada a redefinir o lugar da imagem. A fotografia acabou reconhecida como linguagem artística e transformou radicalmente a cultura visual, sem eliminar a pintura, que se reinventou. De modo semelhante, a IA parece destinada a conviver com formas tradicionais de criação, provocando deslocamentos, adaptações e novas estéticas. O paralelo entre os dois momentos mostra que cada avanço tecnológico não substitui simplesmente o anterior, mas reestrutura a relação com as imagens.


A efemeridade da imagem

     Atualmente a fotografia é algo banal. Levamos o telemóvel no bolso, apontamos, carregamos num botão e seguimos. Guardamos centenas de imagens por semana, milhares por mês, que se perdem numa galeria onde quase nunca voltamos. A facilidade com que registamos tudo parece, paradoxalmente, fazer com que nada permaneça. Aquilo que antes seria um momento único e irrepetível transforma-se agora numa série infinita de fragmentos visuais que desaparecem tão depressa quanto surgem.

Olhamos para trás, percebemos que houve um tempo em que cada imagem exigia esforço, técnica e preparação. No século XVIII, Louis Daguerre impressionava o público com os seus dioramas, onde jogos de luz podiam transformar uma letra vermelha em preta ou fazê-la desaparecer completamente, dependendo da cor da iluminação. A imagem era algo quase mágico, resultado de um processo físico e controlado, uma construção paciente entre luz, matéria e engenho. Nada tinha da instantaneidade com que hoje fotografamos um pôr do sol através do vidro do carro.

Outros processos, como a litografia, lembram-nos o peso material da imagem. O desenho feito com gordura sobre uma pedra calcária, a água que repousa onde a gordura não está, o rolo de tinta que circula, e finalmente o papel que surge como superfície final. Tudo isto transformava a imagem num objeto, num gesto físico. Rembrandt, antes mesmo da invenção da fotografia, explorava a gravura como forma de capturar luz e sombra através do toque direto da mão. Cada impressão era um acontecimento, cada cópia tinha valor porque existia num número limitado, finito, palpável.

Com a fotografia, esse cuidado ainda persistia. Fox Talbot, usando papel sensível e hiposulfito de sódio, criou The Pencil of Nature em 1844, um livro com apenas catorze fotografias. Catorze. Hoje tiramos mais do que isso antes de acabar o pequeno-almoço. Mas para Talbot, cada imagem era uma descoberta, um esforço químico, uma tentativa de fixar o mundo numa superfície frágil. Também o ponto de vue du gras, considerado a primeira fotografia do mundo, demorou horas de exposição. A imagem não era um registo casual: era quase uma conquista.

Há um momento crucial na história das imagens: a invenção do cinema. Pela primeira vez, uma forma visual exigia eletricidade para ser vista. O movimento, a luz e a técnica tornaram-se inseparáveis. A imagem deixou de ser apenas algo que se observa e passou a ser algo que acontece. Mas mesmo aí, no início, cada segundo filmado custava tempo, preparação e dinheiro. A imagem tinha peso.

Hoje, porém, vivemos num regime contrário. A rapidez com que fotografamos retira às imagens a espessura que outrora tinham. Uma paisagem captada num segundo deixa de ser um momento vivido e torna-se apenas mais um ficheiro entre milhares. Ao mesmo tempo que registamos tudo, parece que guardamos pouco. Já não olhamos para demorar; olhamos para captar. Já não fotografamos para preservar; fotografamos para seguir em frente.

A abundância tornou-se uma forma de esquecimento. Onde antes uma fotografia de família conservava a história de gerações, agora perdemo-nos em duplicados do mesmo gesto, da mesma viagem, da mesma refeição — imagens que acumulamos porque são fáceis, mas que não se transformam em memória. A efemeridade digital cria uma ilusão de guarda, quando na verdade nos afasta da experiência.

O que antes era raro tornou-se automático. E  nesta transição perde-se o cuidado, a exigência e precisão em fazer algo bom e com valor. Porque agora qualquer edição resolve o problema e antes dependia do esforço de cada um para que a imagem fosse bem representada. Talvez seja por isso que sentimos que vemos mais, mas lembramos menos.

É necessário que volte este rigor com a representação para que se recupere também a importância em retratar algo bem feito que futuramente trará maior satisfação associada, seja da produção de um filme, retrato de uma paisagem ou ate mesmo uma fotografia a um animal. Algo bonito metesse esse trabalho acrescido para que seja bem representado.

O dia em que o Spotify Wrapped se tornou a minha Biografia Oficial

Chega novembro e já estou ansiosa pela notificção: "O teu 2025 está pronto". 42 186 minutos ouvidos. Top 5% de ouvintes da Lana Del Rey. Género dominante: pop alternativo. Postei logo no "storie", obvío, para toda a gente ver como sou "tão diferente" das raparigas da minha idade, como sou "profundamente sensível, e vá, um bocadinho "cool".

Mas depois de partilhar fiquei parada a olhar para o ecrã e senti um vazio estranho.

Não é só que o Spotify saiba mais sobre a minha experiência emocional deste ano do que a maior parte dos meus seguidores. è que tudo o que senti, felecidade, tristeza, raiva, frustração,ou aquele vazio em que nem sentia nada, doi capturado, quantificado, estetizado e devolvido como produto perfeitamente desenhado: letras cuidadas, transições suaves, palete de cores que combina com o meu "feed".

A Indústria Cultural a um nível que Adorno e Horkheimer nem sonhariam: a minha experiência subjetiva, única, irrepetível, é transformada em mercadoria que eu própia consumo e reproduzo com gosto. O sofrimento deixa der processo e passa a ser estilo. As minhas emoções têm agora 10 slides prontos para consumo alheio.

Como Benjamin defende: a experiência irreproduzível, o exato momento em que usei uma música para compreender as minha emoções, perde completamente a aura quando é reduzida a um formato standard que milhões de telefones exibem exatamente igual. O que era singular torna-se série. O que era íntimo torna-se conteúdo.

O mais pertubador foi perceber o quanto precisava daquela validação. Quando vi top 5% de ouvintes da Lana Del Rey senti orgulho. Orgulho de quê? De ter sofrido suficiente para entrar na tabela? Como se os minutos ouvidos certificado de autenticidade emocial. É o fetichismo da mercadoria aplicado ao próprio eu: o meu tempo de vida, convertido em dados, ganha valor de troca, likes e comentários, enquanto o valor de uso, compreender-me, elaborar o que vivi, desaparece por completo.

Apaguei o "storie" ao fim de umas horas. Mas o dano já estava feito. Durante 2025, sem me aperceber, vivi parcialmente para ter um "Wrapped" interessante.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Eu e as vozes

Simone de Beauvoir escreveu que “não se nasce mulher, torna-se mulher”, e apesar de já ter lido esta frase várias vezes, abordá-la numa aula, tanto à frase como à própria Simone de Beauvoir, criou algum tipo de “reação”em mim. 

Na aula de Cultura Visual falámos da construção social do género, e isto relacionou-se a um detalhe que nunca pensei que me fosse tocar tanto, a ideia de que para muita gente, a voz que ouvimos dentro da nossa própria cabeça é de influência masculina.


Mas também pensei, se é realmente esta voz masculina para as pessoas, porque não imagino ser o meu caso. Será que esta voz comenta, organiza e narra o pensamento é masculina? Somos sequer capazes de pensar com outras vozes, ou é sempre a nossa voz mas apenas com influências diferentes? 


Usando a influência de Beauvoir, esta voz interior deixa de ser um simples fenómeno psicológico e passa a ser um espelho da cultura em que crescemos. Desde sempre, desde que ouvimos, as vozes que explicam o mundo seja nos filmes, nos livros, nas notícias, nas aulas, etc, são maioritariamente masculinas. É como se o narrador autorizado da realidade tivesse género. Mas isso é o que nos é passado, e queria muito saber se é uma coisa pela qual nos deixamos realmente influenciar.


O professor referiu que pode ser uma questão de informação, e o que mais me custou foi perceber que esta tendência não aparece só quando temos pouca informação, mas também quando temos muita, que acredito que seja o caso hoje em dia. Ou seja, mesmo quando aprendemos, mesmo quando ampliamos referências e ganhamos consciência crítica, a voz interior continua a ter o mesmo timbre? 


Quem é que vemos a falar? Quem é que aparece como autoridade? Quem é que representa o conhecimento? Se as imagens que consumimos moldam a forma como vemos o mundo, faz sentido que também moldem a forma como nos ouvimos por dentro. E será que por mais que conheçamos o mundo e as mulheres e o seu poder, alguma vez na história a representação será tão importante como é para o lado dos homens? Porque as mulheres fizeram, criaram e foram tão importantes quanto o sexo oposto. 

Será esta “maldição” alguma vez quebrável? Alguma vez vamos fazer questões e o primeiro nome que nos vem à mente vai ser uma mulher? Não por nosso conhecimento próprio, mas porque nos foi passado? Ou vamos apenas continuar este ciclo sem sim, sem nos apercebermos? 


Reler um pouco de Beauvoir a partir desta perspetiva faz a frase dela expandir-se, talvez também não se “nasça” com uma voz interior masculina, torna-se, plantam-na em nós. 

E  agora consciente disso, começo a perguntar-me que outras vozes poderiam existir dentro de mim se lhes der espaço. 


A nossa cultura tem muita força e influência não só naquilo que vemos, mas também na forma como pensamos. E é urgente fazê-lo da forma certa.


Micro gestos, Micro poderes

 

Há uns dias, enquanto andava no centro comercial Colombo, reparei numa coisa muito simples mas que me fez pensar bastante que é a forma como o meu corpo muda dependendo de quem está à minha volta. Por exemplo, quando eu passo por um grupo de rapazes, automaticamente fico mais atenta, meio que parece que o meu corpo sente a necessidade de endireitar a postura , o meu andar muda e o olhar torna-se mais "calculado" de certa forma. Isto obviamente não é uma escolha consciente, o meu corpo reage antes de eu ter tempo de refletir.

 E foi nesse momento que me lembrei de algo que discutimos na aula sobre Foucault, onde esta ideia de que o poder não se mostra apenas em grandes regras ou proibições, mas nas pequenas gestualidades que fazemos todos os dias sem perceber. Esta “microfísica do poder”, como ele chama, está justamente nestas reações automáticas que parecem naturais, mas que são moldadas por normas sociais que aprendemos desde sempre. 

 Enquanto caminhava por lá, percebi-me a gerir o corpo de forma quase em modo automático como, ajustar a roupa e até mesmo evitar certos olhares para não dar uma impressão que não quero . Mas lá está, não é preciso haver perigo real, basta a possibilidade de ser observada. E é nessa antecipação que o poder se instala de forma mais profunda.

Também me dei conta de como o corpo se transforma num espaço de vigilância constante. O que mostro, o que escondo, o modo como ocupo o espaço onde tudo isso passa a ser regulado, não só pelos outros, mas por mim mesma. O mais curioso é que nada disto parece extraordinário enquanto acontece, são gestos normais, quotidianos, quase invisíveis. 

No fundo, estas pequenas rotinas do quotidiano mostram exatamente aquilo que Foucault queria dizer, onde o poder não precisa de ser uma força evidente para moldar comportamentos. Ele move-se de forma quase invisível, como uma orientação que entra dentro dos gestos mais simples. E é o corpo que acaba por aprender essas regras silenciosas.

Ao sair de lá, fiquei a pensar em como estas "micro reações" dizem muito mais sobre a nossa sociedade do que parecem à primeira vista, porque mostram que o poder não está apenas nas instituições ou nas leis, mas está nos corpos, nos olhares, nas distâncias, no modo como nos movemos pelo espaço. Está nestes momentos tão pequenos, mas tão reveladores, em que percebemos que até o silêncio e a postura são formas de negociar com o mundo que nos rodeia.

Plástico

 O plástico é um material que sem sombra de dúvida está constantemente presente na vida de todos os seres humanos neste momento. 

Seja por pura utilização de objetos que o contenham ou pelo simples facto que, todos os seres humanos têm micro-plásticos presentes no seu corpo. Vários estudos comprovam este mesmo facto que menciono, infelizmente até em alguns casos já foram transmitidos micro-plásticos pela placenta, de uma mãe para um bebé. 

Isto tudo se deve na maioria, à produção em massa e à revolução industrial e mais recentemente à tecnológica. Com imensos produtos a serem produzidos onde a sua base é o plástico, acabamos por nos contaminar a nós próprios, por via da poluição, onde o plástico polui os solos onde crescem os nossos vegetais, ou por os animais que nós consumimos que por sua vez consomem infelizmente plástico nos seus habitats naturais ou até mesmo em explorações. Outra maneira que acabamos por sermos expostos é de maneira direta, como garrafas de água, roupa com poliéster e até mesmo produtos de beleza, existem mil e um formas dos plásticos entrarem no nosso corpo, até como Barthes explicou, “Deste modo, mais que uma substância, o plástico é a própria ideia de sua transformação infinita; é, como o seu nome vulgar indica, a ubiquidade tornada visível.", que reforça esta ideia de que somos rodeados por plásticos por ter uma utilidade universal que se encaixa em todo o tipo de coisa que se possa pensar, daí também, obviamente, explica a alta exposição que temos ao mesmo. 

Com o plástico infelizmente, por conta da sua natureza, é produzido de forma bastante barata, acaba por substituir uma grande parte de produtos que antigamente não o usavam, dando uma qualidade inferior, que por si só acaba por criar mais necessidade de reprodução, pois precisa de ser substituído mais vezes, algo que certas indústrias também se aproveitam, para fazer o consumidor comprar sistematicamente o seu produto.  

Infelizmente, cada vez mais a produção e o consumo do plástico se tornam uma destruição compulsiva do nosso ecossistema e da nossa sociedade também, como todos observamos e testemunhamos, este ciclo realmente parece não ter fim, até que no final será mais uma das razões da destruição do nosso planeta.  

O Poder nas Pequenas coisas

 

    É estranho como as normas sociais, muitas vezes invisíveis, nos moldam constantemente sem que percebamos. Desde o momento em que acordamos até ao instante em que voltamos a dormir, estamos a ser guiados por regras que, na maioria das vezes, nem sequer questionamos. Essa espécie de "poder" que regula as nossas ações diárias é, na visão de Michel Foucault, uma verdadeira microfísica do poder, ou seja, um poder que não vem de cima, mas sim de dentro, intervindo com os detalhes da nossa vida. Se pararmos para pensar, esse controlo não acontece apenas em grandes instituições, como o governo ou a escola, mas nas pequenas coisas: no que vestimos, no que comemos, no que publicamos nas redes sociais. E essa imposição de normas está, muitas vezes, ligada a questões de género.

    Foucault falava sobre como o poder se disfarça, muitas vezes, em pequenas ações e comportamentos que são aceites como "naturais", mas que na verdade são formas de controlo. Quando vejo as fotos que circulam nas redes sociais, por exemplo, questiono-me: será que estou realmente a expressar-me como sou ou estou apenas a cumprir um papel moldado por expectativas externas? As mulheres, principalmente, estão constantemente a ser vigiadas e, de certa forma, presas a padrões de beleza e comportamento, como Simone de Beauvoir nos lembrou em "O Segundo Sexo". Para Beauvoir, as mulheres são vistas como "o outro", o que significa que são definidas em relação ao homem, como uma versão secundária e inferior. Isso está tão entranhado na sociedade que, muitas vezes, nem nos apercebemos do impacto que isso causa nas nossas vidas.

    Numa simples ida ao supermercado, por exemplo, podemos ver como a sociedade ainda impõe regras sobre o que é considerado “adequado” para homens e mulheres. Os produtos de beleza e os produtos de cuidado pessoal são muito mais visíveis e destacados para as mulheres, enquanto os homens são apresentados a cosméticos com um tom mais neutro e sem tantos apelos. Por que será que o corpo feminino é constantemente regulado, analisado e “melhorado”? A resposta, como Foucault diria, está no bio poder, um poder invisível que não só regula o comportamento das pessoas, mas também o corpo. A procura por um corpo perfeito, a pressão para seguir padrões de beleza, ou até mesmo a simples expectativa de que as mulheres sejam sempre cuidadosas com a sua aparência, são formas de controlo que ainda são profundamente enraizadas na nossa sociedade.

    Isso não quer dizer que os homens estejam completamente livres disto. A pressão sobre a masculinidade também é evidente, mas, de maneira geral, a sociedade tende a ser mais permissiva quando se trata da aparência e do comportamento dos mesmos. Mesmo assim, é inegável que a presença constante de padrões de género e a vigilância sobre os corpos revelam uma verdade: o poder está, de facto, nas pequenas coisas. E, como Beauvoir diria, é isso que nos impede de sermos livres. O homem, muitas vezes, é visto como a norma, o modelo a ser seguido, enquanto a mulher é relegada à posição de "outro". Essa dinâmica ainda é vista em muitas áreas da nossa vida social, desde a forma como escolhemos a roupa para um encontro até à maneira como nos comportamos em espaços públicos.

    Talvez a resistência a esse poder comece no simples gesto de reconhecer essas normas e decidir conscientemente que não temos de lhes obedecer. A verdadeira liberdade está em questionar o que nos é imposto e tentar encontrar uma forma de ser autêntico, sem deixar que as expectativas de género nos definam. Foucault e Beauvoir oferecem-nos um caminho para isso: entender como o poder opera nas pequenas coisas e como podemos, através da reflexão e da ação, resistir a essas normas. Isso não significa que temos de rejeitar completamente as regras, mas sim de estar ciente das mesmas, e, quando necessário, subvertê-las.

    Se eu pudesse tirar uma lição de tudo isto, seria que a liberdade não vem de seguir ou de se conformar com os padrões estabelecidos, mas de ser capaz de ver o poder por detrás dessas regras e escolher, de forma consciente, como reagir. Afinal, a verdadeira resistência não está na revolução grandiosa, mas nas pequenas ações do dia a dia, nas escolhas que fazemos e nas imagens que decidimos construir de nós mesmos. O poder está em todas essas pequenas coisas, mas também está em nós a capacidade de questioná-las e, quem sabe, transformá-las.

Pedir permissão para falar:

        - A Ideologia

Não é incomum uma pessoa questionar-se, a algum ponto da sua vida, porque é que em diversos contextos em que se encontra e se encontrará a partir desse momento, tem uma obrigação, a qual pode considerar de carácter moral, de levantar a mão, o braço, o dedo, para pedir permissão para falar.Aliás, desde pequenos, gostamos de questionar esta regra de sala de aula, já que vai contra a nossa enorme vontade de socialização.


É um gesto cordial, respeitador, elegante, pois a justificação usualmente é que este ato é necessário para a coordenação e ordem em sala de aula, ou em qualquer outro local. 

Isto não é necessariamente mentira, o facto de existir um intermediário entre a ação de pensar e de falar, de certeza que faz cair a quantidade de possíveis intervenientes no momento, e, os que participarem, expressar-se-ão de forma realmente mais ordenada, já que apenas falará um de cada vez, permitindo uma melhor expressão do orador, e entendimento do ouvinte.

Mas isto é apenas uma consequência consideravelmente positiva que advém de um instrumento ideológico maior.


No fundo, está aqui implícita uma ideologia já não recente, a de que perante um vasto número de indivíduos, estabelece-se no alto (literal ou figurativamente) um, ou pouco mais que um, orador. E que este, no cume da sua sabedoria, ou experiência, prega o seu conhecimento aos demais.

Ora, como já mencionei, este sistema não é necessariamente mau, mas é fundamentalmente seletivo e opressor. Tal como a PSP prevê a Manutenção da Ordem Pública. Seria de pensar que a ordem é algo bom, não? Mas, a quem é que interessa que as massas estejam ordenadas? A quem está no poder. 


Independentemente da ideologia política em que se reveja ou finja rever, é a quem está no poder que beneficia a Ordem Pública, e é a quem está no poder que beneficia existir um ato de educação tão natural e óbvio (“obviedade primária”) quanto pedir permissão para falar; por conseguinte, expressar as suas ideias, e possivelmente, desafiar as ideias instaladas, ou seja, mudar o sistema que rege a sociedade.


Assim, apesar de existir uma relação de benefício, em situações diárias, na existência de ordem, que torna o nosso convívio mais calmo e fruitivo, é notório que muitas vezes as melhores ideias surgem do caos.


As Redes sociais como reflexo de estereótipos, e a separação forçada dos sexos

 Desde infantes, rapazes e raparigas são expostos a estímulos diferentes. Desde brinquedos, a desenhos animados, cores, etc. Desta forma revelam-se as diferentes expectativas que são impostas em cada sexo. Os rapazes são encorajados a gostar de coisas mais temáticas, objetivas e ligadas á razão, enquanto que as raparigas são encorajadas a ter um comportamento mais emocional e social.

 Isto permanece na adolescência e até na vida adulta, e as redes sociais servem como prova disso. Através de um algoritmo que define o que cada usuário vê, as redes sociais funcionam, em essência, como um espelho que reflete esses mesmos estereótipos reforçados desde a infância. Para os homens, há uma maior exposição referente ás tecnologias, gaming, e desporto, não dando espaço para a expressão emocional entre os homens, e isolando-os. Do lado feminino, encontram-se mais nichos de lifestyle, maquilhagem e moda, que intensificam a pressão estética imposta sobre as mulheres.

 Com isto, vão-se criando bolhas, micromundos sociais onde as pessoas interagem maioritariamente com outros que estão se inserem nos mesmos grupos, assim criando separação. A falta de contacto entre grupos incita conflitos entre os dois sexos.  Olhando para os extremos deste fenómeno, mulheres acabam por ser mais expostas a assédio online, vídeos sobre stalking, e mensagens indesejadas, havendo a necessidade da criar espaços de segurança física e emocional entre mulheres. No polo masculino, há uma maior exposição a ideologias e debates extremistas, comunidades misóginas e grupos de masculinidade tóxica, como os "red pill". 

A pressão de saber antes de sentir

Hoje em dia parece que toda a gente já sabe tudo sobre sexo. Ou pelo menos é essa a imagem que se vende. É quase obrigatório ter experiência, estar sempre preparado, não mostrar inseguranças, parecer natural… mesmo quando nada disto é realmente natural. Há uma espécie de guião invisível que nos diz como devemos agir, como devemos desejar e até como o nosso corpo deve parecer quando estamos com alguém.

E o mais estranho é que ninguém escreveu este guião, ele simplesmente existe, e nós seguimos.

É um daqueles casos em que percebemos que o poder não vem sempre de cima. Simplesmente espalha-se pelos pequenos gestos, pelas conversas entre amigos, pelos vídeos no TikTok, pelas “dicas” em podcasts que prometem ensinar-nos como ser perfeitos na cama ou como impressionar alguém. De repente, todos têm opiniões sobre como o nosso corpo devia funcionar, como devíamos comportar-nos, o que devia excitar-nos, o que devia envergonhar-nos. E nós, quase sem perceber, vamo-nos moldando a isso.

Nas mulheres, esta pressão é ainda maior. E é impossível não pensar naquilo que Simone de Beauvoir dizia: não se nasce mulher, torna-se. Às vezes parece que também não se nasce desejável, torna-se, desde que se cumpra uma lista invisível de expectativas que nunca fomos nós a escrever. É a mesma lógica antiga, só com filtros modernos: ser atraente mas não “demasiado”, confiante mas não “fora do lugar”, experiente mas não “promíscua”. Um ideal contraditório que se repete, mesmo quando achamos que já o deixámos para trás.

E a verdade é que isto acaba por tirar a graça às relações. Porque, em vez de estarmos presentes, estamos a avaliar-nos por dentro. Será que estou a fazer bem? Será que pareço confiante? Será que isto é normal? É como se estivéssemos a ser observados, mesmo quando estamos só com uma pessoa. Uma espécie de vigilância silenciosa que nos deixa presos à "performance", em vez de ao sentimento.

O que devia ser vulnerável virou espetáculo. O que devia ser encontro, virou comparação. O que devia ser liberdade, virou pressão.

No fundo, ninguém fala disto, mas quase toda a gente sente. E é curioso como este controlo não é imposto por uma lei, nem por uma autoridade, somos nós próprios que o reproduzimos, uns nos outros, mesmo sem querer. É o tipo de poder mais eficaz: aquele que parece natural.

Talvez valha a pena lembrar que não existe maneira certa de ser, nem de desejar, nem de viver o próprio corpo. Que os papéis que cumprimos foram aprendidos, não herdados. E que, se são aprendidos, também podem ser desaprendidos.

No fim, talvez a verdadeira liberdade esteja em largar um bocadinho o guião. E permitir que as coisas aconteçam antes de tentarmos “parecer” que sabemos o que estamos a fazer. Afinal, ninguém tem de ser perfeito. Basta ser honesto connosco e com quem está connosco.

Porque, às vezes, é no que escapa às regras que finalmente respiramos.

A visão do mundo através do feed do meu instagram

Há umas semanas, depois de chegar de uma viagem à China, estou no metro a ver os insta-stories das minhas amigas que me acompanharam e apercebo-me do quão longe estávamos, mas de quão próxima nos aparecia a informação. Desde fotos das janelas do avião, comida tradicional, os templos que visitámos. Todos os registos de uma viagem de 12 920 km cabiam na tela do meu telemóvel. Apercebo me que o aqui e o agora dissolvem-se; perde-se o peso do original que vemos com os nossos olhos e, quando repostei algumas histórias em que fui identificada, dou conta que passa a existir uma série infinita de versões quase idênticas que vivem do seu valor de exposição.

Apercebo-me do meu papel enquanto intérprete diante do telemóvel. Não publico para uma sala em concreto, mas para um público invisível que me controla ainda mais pela sua ausência. Quando tiro fotos para postar, não procuro autenticidade, mas legibilidade. A legenda torna-se indispensável, já que, se não escrevo nada, a imagem parece pedir instruções.

O ritmo do feed treina a minha distração. Em segundos passo do protesto à receita, do desastre ao humor; cada corte interrompe a contemplação antes do seu começo.

Há momentos em que isto parece libertador. Posso aproximar-me do que estava longe: um arquivo, uma conversa, fotos antigas, tudo cabe na mão. Mas também me torno espetáculo de mim mesma: o eu que vive é o eu que se reproduz tecnicamente, perfeito porque editável, montável, melhorável. Entre alcance e captura, percebo a política miúda da atenção: não é só estética, é modo de pertença.

No fim, entendo que a imagem digital não é só registo. O que partilho já não é apenas memória, é versão. Entre o gesto de publicar e o gesto de ver, há algo que me ensina a ser legível, a ser vista, a pertencer. O feed não me mostra o mundo — mostra como o mundo se quer mostrar.


Um Mundo Pós-Interpretação - Inversão do Signo e do Significado

O fascínio pelo futuro não corresponde a um fascínio intrinsecamente contemporâneo. Desde a designada Idade Moderna, que terá começado no século XIX no seio da Revolução Industrial, o ser humano ganha um crescente interesse pelas novas invenções. Surgem as máquinas a vapor, que por sua vez criam os primeiros comboios, que por sua vez encurtam a perceção do tempo e da distância: a eficiência baseia o culto do progresso racional e de um domínio humano da natureza semelhante ao papel de um deus omnipotente. De facto, obras de arte literárias como Frankenstein de Mary Shelley aparecem como forma de problematizar o seguinte: será que o ser humano deve tentar (re)criar a vida, colocando-se assim acima da natureza? Esta questão é profundamente relevante no mundo contemporâneo, onde se discutem temas como o transhumanismo ou a ecologia. No entanto, podemos constatar a maneira como os processos pela qual criamos sistemas de signo e significado, que, num mundo onde o principal guia do ser humano não se trata de religião ou de política, mas de uma relação com a experiência estética, existem porventura de uma forma invertida com a proposição elementar de Saussure. 

 Ferdinand Saussure formula um sistema linguístico de alguma simplicidade: o signo corresponde ao suporte da palavra, enquanto o significado é a camada adicionada ao mesmo, que lhe atribui uma equivalência concreta ou conceptual. Este sistema pode ser transladado ou equiparado à maneira como os seres humanos atribuem uma carga arbitrária a um gesto ou objeto, ditando-se assim cultura quando esta é transmitida de geração em geração.

 Roland Barthes apropria-se desta formulação de modo a aplicá-la ao domínio das imagens, que admite como tendo uma retórica própria. Esta retórica pode ser desconstruída através da "leitura" de uma mensagem que poderá ser linguística, icónica e codificada, e icónica não codificada. Barthes utiliza um anúncio para enunciar estes tipos de mensagem: a linguística corresponde aos caracteres que informam enfatizando; a mensagem icónica codificada corresponde às associações culturais que certos elementos visuais suscitam em nós; a mensagem icónica não codificada remete para a identificação imediata de certas formas. No entanto, esta última assemelhar-se-á ao signo, e não ao significado, uma vez que as formas remetem diretamente para a sua própria representação, no seu caso concreto, a fotografia, que transcende o seu papel de medium para se tornar a sua própria razão de existir, ou o seu significado.

 O modo contemporâneo de existir na realidade mostra-se profundamente de acordo com esta conceção. A criação de categorias, distinções e meta-análises pela qual nos designamos e identificamos tornam-nos autênticos fantasmas do imaginário. Criamos Arte com o conceito de Arte em mente, vestimos roupa que para nós está já associada a uma certa ideia com que nos identificamos, tornamo-nos sujeitos sendo outros sujeitos, comemos e somos o que comemos. O nosso corpo não é um signo e as imagens um significado. Esta relação terá sido invertida de modo a que nós nos teremos tornado representações produzidas em massa.

 Quando pensamos no futuro, nos autómatos que nos parecem ameaçar, podemo-nos questionar se eles não serão iguais a nós, de uma forma mais evidente e aperfeiçoada. O Pós-humano, como se pode chamar a esta existência, não se reduz à téchne ou dominação das forças naturais. Trata-se da substituição do espanto primordial pela recriação por imagem.

 E, afinal, o que somos nós senão imagens?

olhar para cima vai-te pôr tonto

penso muito naquela cena do filme Odisseia no Espaço do Stanley Kubrick, quando o monólito aparece e presenciamos à rivalidade daqueles dois grupos da mesma espécie e o momento visceral quando matam um dos seus. a presença mística que considero que o monólito seja, também como metáfora para evolução, traz a compreensão cognitiva de que o corpo também sofre mudanças e dá-se o momento em que se apoiam pela primeira vez apenas nas patas traseiras.

no mundo natural, cada um é dotado de tudo o que necessita para sobreviver: garras, dentes e instinto de sobrevivência. muitos, senão quase todos, a comunidade também é um dado imprescindível. sabemos que existe uma harmonia, uma razão de ser das coisas, um organismo auto-sustentável. o que se tira, é reposto naturalmente, porque apenas é retirado o necessário. nesta cena, é retirada uma vida. sem propósito e sem necessidades. a utilização do osso enquanto arma abre um caminho anti-natura. é formada uma nova linguagem. 

faço a ponte desta nova formação linguística com os estudos de Marx, sobre o mundo natural e as suas transições para o mundo da cultura.

um osso seria apenas um osso, deixado naturalmente para se desintegrar depois de ter sido devorada a carne que o envolvia e de ter feito parte de um esqueleto que sustinha um corpo. quando o macaco decide pegar nesse mesmo osso e dar-lhe outra funcionalidade, dá-se a transição. apartir daí, o osso nunca mais será apenas um osso. é-lhe dado agora um novo valor. 

esse valor vem acompanhado de consequências. cada vez que algo natural passa para cultural, a meu ver, é perdida uma ligação e formada outra que é o seu oposto; comecámos com 4 membros no chão e agora voamos. a nossa distância para a Terra vai tornando-se cada vez maior, e o nosso olhar, mais para cima, cada vez menos natural. a verticalidade do ser humano, distanciou-o do mundo que o gerou.

vivo na dualidade de que a nossa evolução faz parte de um ciclo natural, mas ao mesmo tempo não sei se era suposto termos chegado até aqui. criámos o nosso próprio sistema de regras e a nossa ascensão deu-nos, penso eu, uma falsa sensação de controlo. no final do dia, a selecção natural ocorrerá e não existe forma de a contornar. o valor das coisas retornará ao seu verdadeiro significado e a natureza seguirá o seu caminho.

domingo, 23 de novembro de 2025

Sexualidade e Poder: de Foucault às redes sociais

A palavra “sexualidade” para muitos sempre foi uma palavra controversa, proibida, suja ou até mesmo um conceito que apenas quem fosse suficientemente desinibido se atreveria a estudar e decifrar. Foi o caso de Michel Foucault, um filósofo francês de quem não ouvia falar desde a época da minha escolaridade francesa. 

Para Foucault, a sexualidade não é entendida como um instinto natural reprimido pela sociedade, mas como um campo historicamente construído onde se cruzam saber e poder. A partir do século XVII, em vez de se “calar” o sexo, a modernidade multiplicou os discursos sobre ele: médicos, juristas, padres, professores, psicólogos e, mais tarde, psicanalistas começaram a interrogar, classificar e normatizar comportamentos, desejos e identidades. Este dispositivo da sexualidade transforma práticas em identidades e faz da vida sexual o suposto núcleo da verdade sobre cada um de nós. Assim, a sexualidade torna-se um instrumento central de poder, não apenas porque define o que é permitido ou proibido, mas porque produz categorias de normalidade e desvio e organiza a forma como nos percebemos a nós próprios.


Nos dias de hoje, a relação entre sexualidade e poder vê-se na forma como os nossos corpos, desejos e identidades são constantemente avaliados, expostos e geridos por múltiplas instâncias: medicina, psicologia, redes sociais e aplicações de encontros. Fala-se de sexo com uma liberdade aparente, mas essa liberdade vem acompanhada de uma chuva de normas implícitas sobre o que é “saudável”, “atraente”, “normal” ou “problemático”, desde o corpo ideal de influencers e modelos de passerelle até às categorias (“ativo/passivo”, “masculino/feminino”, “fit/normal”). Ao mesmo tempo, campanhas de saúde, discursos sobre consentimento, políticas de educação sexual e debates em torno do género e da orientação mostram como a sexualidade continua a ser um tema recorrente. Seguindo Foucault, não vivemos num tempo em que o sexo foi simplesmente libertado, vivemos num tempo em que o sexo é permanentemente falado, medido e categorizado, tornando-se um dos principais campos onde o poder atua, ao mesmo tempo que nos promete autenticidade e emancipação.


Tornar-me mulher: a construção da feminilidade hoje

Numa das aulas desta disciplina, surgiu a citação da autora Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. No contexto da obra “O segundo sexo” esta frase significa que a feminilidade não é um destino biológico, mas uma construção social e cultural, aprendida através da socialização e internalização das normas e papéis impostos pela sociedade. 
As normas que observo para “me tornar uma mulher”, hoje em dia, são um pouco assustadoras, já que observo à minha volta o ressurgimento de ideias machistas, misóginas e de violência contra as mulheres. Acredito que não seja a única a perceber este fenómeno, já que têm estreado séries como a “Adolescência” e tantos outros conteúdos que exploram esta questão… por algum motivo será. 
Para além disso, há dados recentes que mostram um aumento significativo das queixas de violência doméstica em Portugal, atingindo o valor mais elevado desde 2019. A maioria das vítimas são mulheres, o que é consistente com os padrões de violência de género.
A situação agrava-se também, com o aparecimento de “influencers” e políticos que conquistam cada vez mais público, pelas suas ideias misóginas e ódio por mulheres. 
Este é o mundo que observo ao meu redor.

Sendo eu uma jovem mulher a ver estes acontecimentos e o retroceder de ideologias, pergunto-me como é que, em pleno século XXI, ainda somos ensinadas a “tornar-nos mulheres” através de normas que nos diminuem, controlam e silenciam?

Acredito que, a sociedade dita inconscientemente certas regras.
O regresso a pensamentos conservadores reforça os papéis tradicionais, tornando a sociedade mais rígida e misógina, e, consequentemente, impõe uma feminilidade disciplinada. Desde cedo, lidamos com a pressão de sermos “corretas”, magras, bem vestidas e emocionalmente contidas. Ninguém nasce a saber maquilhar-se ou a posar para agradar… tudo isto é aprendido e incutido naturalmente em nós, somos educadas a sair de casa “impecáveis”, como se o nosso valor dependesse disso.
Já a nossa cultura contemporânea, acrescenta o elemento das redes sociais, onde mulheres, jovens e meninas aprendem a viver para o olhar dos outros, especialmente o masculino (male gaze), mas nunca a controlá-lo. 
As fotos e vídeos que retornam com likes e comentários, tornam-se uma infeliz ideia de validação externa. A forma como uma rapariga é vista e aceite por este público, depende da imagem que mostra: as poses, o estilo, a maquilhagem,… Aprende que o “eu” vale mais por aquilo que se vê no exterior e não pelo o seu intelecto ou sentimentos. 
Assim, tornar-se mulher é aprender a ser “observada”, enquanto que ser homem é aprender a “observar e julgar” . 
Por conseguinte, esta ideia intensifica-se com crescimento de "influencers", que como já referi anteriormente, influenciam jovens rapazes com ideias que a mulher deve servi-los e que não deve trabalhar, que deve obedecer, que vale pelo corpo e aparência que tem, que “o feminismo é um exagero” e que uma rapariga “decente” não mostra demasiado… mas depois, exigem que seja atraente e desejável.
Hoje, estas normas já não se impõem apenas pela família, a escola ou religião, espalham-se pelo entretenimento e pelos discursos virais que consumimos diariamente na nossa cultura.
A lista de regras é bastante exigente e longa, difícil de cumprir, e há quem tente e abdique de si em favor do outro, ou então, há quem simplesmente “não siga as regras”.
Acho curioso que, quando uma mulher se impõe, conhece o seu valor e se aceita, seja vista como uma ameaça e surgem inúmeros questionamentos, desde o seu percurso até chegar, por exemplo, a uma posição de poder, à forma como vive: se sustenta filhos ou gere a casa. Contudo, não se pode ignorar o facto de que uma mulher empoderada mexe com o ego de muita gente. 
Este exemplo, mostra perfeitamente como o machismo está enraizado na nossa sociedade, mesmo que, nem sempre o percebamos, pois, com um homem, nunca surgiriam dúvidas sobre a sua posição de poder. 
Esta situação, mostra claramente o que Beauvoir defende: não nos tornamos mulheres por amadurecimento natural, mas sim porque, somos educadas a ocupar um lugar específico na sociedade.
A frase de Beauvoir não é apenas uma reflexão do seu tempo, mas continua a ser uma verdade do nosso presente.
Penso que tornar-me mulher, hoje em dia, é enfrentar e negar estas regras impostas pelas sociedade. É reconhecer o meu valor, não deixar os padrões de beleza definirem quem sou, vestir-me como quiser e afirmar a minha voz. 
Ser mulher é acreditar em si mesma, ser feminista e recusar as ideias conservadoras, depois de tudo aquilo, pelo qual, as mulheres antes de nós lutaram, é um ato de coragem. Continuar essa luta, é garantir que nenhuma de nós tenha de pedir permissão para existir no nosso corpo, para pensar por conta própria e para falar sem medos.


“We teach girls to shrink themselves, to make themselves smaller.
We say to girls : “You can have ambition, but not too much. You should aim to be successful, but not too successful otherwise you will threaten the man”.
Because I am female I am expected to aspire to marriage.
I am expected to make my life choices always keeping in mind that marriage is the most important. Now marriage can be a source of joy and love and mutual support, but why do we teach girls to aspire to marriage and we don’t teach boys the same?
We raise girls to see each other as competitors, not for jobs or for accomplishments, which I think can be a good thing, but for the attention of men.
We teach girls that they cannot be sexual beings in the way that boys are.
Feminist: the person who believes in the social, political, and economic equality of the sexes.”
Chimamanda Ngozi Adichie

https://sicnoticias.pt/mundo/2025-09-12-mais-de-21-mil-vitimas-de-violencia-domestica-em-seis-meses-queixas-aumentam-26-5b27ecb8




Glorificação da guerra nos filmes

     Há quem defenda que não existem filmes antiguerra, isto é, que os filmes vão sempre inevitavelmente glorificar o combate ao retratarem a aventura e a emoção deste e eu não discordo totalmente. Mesmo quando procuram denunciar os horrores e a futilidade da guerra, os filmes inevitavelmente recorrerem aos meios técnicos do cinema - montagem rítmica, som imersivo, representações gráficas realistas, entre outros - que intensificam a perceção sensorial do espetador, sendo que em muitos casos acabam por simplificar a guerra numa vitória do bem sobre o mal, não mostrando a extensão total dos danos criados.

    Tal como Walter Benjamin afirma, o aparelho técnico capta os movimentos de massas de forma mais eficaz que o olho, sendo que o mesmo traduz-se para os filmes de guerra, onde a experiência do combate é amplificada, tornando-a cinemática e emocionalmente estimulante. A intensidade visual e sonora muitas vezes acaba por também desencadear uma resposta de adrenalina que contradiz a intenção moral do realizador. Assim, o cinema corre o risco de contribuir para a estetização da violência que pretende criticar.

    Esta contradição pode até explicar o porquê de tantos jovens, ao longo das décadas, terem sido influenciados a alistarem-se no exército por filmes que supostamente denunciavam a guerra, mas que, através da força estética das suas imagens, acabavam por alimentar fantasias de heroísmo, pertença e glória. A camaradagem retratada nestas narrativas, presente em quase todos os filmes de guerra populares, serviu também como fator de atração sobre os jovens, oferecendo um sentido de propósito coletivo e a representação do combate como superação pessoal.

    No entanto considero que existem filmes verdadeiramente antiguerra. Isto é, que mostram a guerra não apenas como ineficaz, moralmente errada e destrutiva para os soldados, civis e a sociedade que a aceita, mas também mostram a morte em combate como sem sentido e totalmente irremediável. Por outras palavras, um filme antiguerra deve quebrar o encanto da guerra, no entanto, a exigência inerente ao cinema de envolver e entreter os espectadores acaba por ser tornar incompatível com isso. Existem, contudo alguns filmes que, na minha opinião, o conseguiram fazer. Come and See (1985), de Elem Klimov, é um deles, onde ao invés de estetizar a guerra, expõe o colapso psicológico e físico do protagonista, de uma forma tão brutal e desprovida de heroísmo que destrói qualquer leitura glorificadora que se podia ter do conflito.

    Concluindo, a representação da guerra no cinema envolve um paradoxo inevitável. Onde tende de tornar a experiência esteticamente envolvente, mesmo quando pretende condenar a guerra. Isto é, a força da imagem amplifica e estetiza a violência, tornando difícil quebrar o encanto que a guerra nos filmes exerce sobre o observador. Ainda assim, considero que existem filmes, embora poucos que conseguiram comprovar que é possível romper com essa tendência, anulando qualquer leitura enobrecedora sobre a guerra.

A influência da televisão na nossa sociedade


Com a invenção da televisão nasceu uma nova industria, a indústria televisiva, sendo um setor da indústria do entretenimento, cumpre a sua função, entretém as massas com programas, séries, filmes, notícias e etc… Tais formas de entretenimento são media visuais ou híbridos, e naturalmente, o que um humano vê imita, especialmente os mais jovens.

   A televisão influencia os nossos comportamentos e o nosso psicológico de diversas maneiras, através do apelo às emoções recorrendo a cores, músicas e técnicas de edição específicas; ao esconder propaganda subtilmente; narrativas exageradas; usando roupas específicas, linguagens e comportamentos.

   Em 2022 foi lançada a 4ª temporada da famosa séria da Netflix, Stranger Things, depois desse lançamento a música dos anos 80 "Running Up That Hill" de Kate Bush voltou a ser extremamente popular, pois esta música foi incluída numa série televisiva muito famosa.

   O filme Titanic influencia-nos emocionalmente a sentir tristeza na morte do personagem Jack através de uma combinação de fatores como o contexto da história do filme, a banda sonora e as cores da iluminação utilizada.

   Em conclusão, a televisão é um instrumento muito poderoso para influenciar os comportamentos e o psicológico das pessoas na nossa sociedade, pois usa várias técnicas para nos influenciar enquanto nos entretém.

sábado, 22 de novembro de 2025

Entre o Subterrâneo e a Superfície: Foucault e a Desigualdade em Parasite

As últimas questões dadas em aula, fez-me associar ao filme Parasite (2019), de Bong Joon-ho. O filme retrata evidentemente a desigualdade social e a questão do poder. A diferença entre uma família pobre e uma família rica em que não é apresentada somente a nível económico mas como uma diferença estrutural, marcada pela linguagem, pelos espaços, pelos gestos e até pelos cheiros. Isto levou-me a associar Michel Foucault.

A família Kim não é simplesmente menos favorecida, é colocada numa zona de invisibilidade social. Vive literalmente abaixo do nível da rua, num porão sem luz. Já a família Park encontra-se num nível evidentemente elevado da rua, num mundo que naturaliza a hierarquia.

A relação entre ambas as famílias fica mais próxima assim que a família Park contrata a família Kim. Os Park dependem dos Kim, mas mantêm-nos sempre a uma distância segura através de normas subtis, como a maneira como se devem comunicar, o tom de voz esperado, a postura corporal adequada e a divisão clara dos espaços dentro da casa. Há então uma linha entre eles. A linguagem não é apenas um instrumento do poder, é por si só, uma forma de poder em si.

Há uma fase em que a questão do cheiro é colocada em causa. Quando os Park descrevem o "cheiro" da família Kim, não é apenas um facto de cheirarem menos bem ou menos mal, estão a classificá-los, a atribuir-lhes um marcador social inferior. Já quando chamam à antiga governanta de "perturbada" ou "doente",estão também a atribuir-lhe uma identidade que justifique a sua expulsão.  

A chuva funciona como reforço dessa distinção. Após uma forte tempestade durante a noite, enquanto a família Park a interpretou como algo benéfico para limpar o ar e proporcionar um dia agradável, os Kim foram obrigados a evacuar a sua casa por motivos de segurança devido às inundações que destruíram grande parte do seu bairro. A mesma chuva que para uns representa algo bom, ou até algo que possa passar como despercebido, para outros significa instabilidade e destruição.

Apesar destas distinções, os Kim claramente ainda exerciam poder: eles conseguem manipular os Park, reorganizar os costumes da casa, expulsar e ocupar os lugares daqueles que lá trabalhavam. Mesmo assim, não conseguem, nem podem, transformar a estrutura social que os oprime, apenas conseguem exercer de forma tática e disfarçada. São forçados a viver como parasitas. A sua tentativa de conquistar poder é, acima de tudo, de sobrevivência: assumem identidades falsas e procuram estabilidade num sistema que os exclui. O objetivo não é destruir os Park, mas sobreviver.

Quando tudo começa a desmoronar, o filme prova essa ideia em como o poder não é fixo nem estável, mas algo que se desloca, que revela tensões e que expõe fragilidades. Não é apenas repressão. O poder também cria comportamentos, expectativas e conflitos que se tornam inevitáveis. No caso da família Kim, a tentativa de se aproximar do mundo dos Park e de assumir novas identidades não resulta numa mudança real, mas num aumento da pressão que já existia, até que essa tensão explode. A violência do final não acontece por acaso, é consequência das microviolências constantes, dos olhares, das pequenas humilhações e das classificações subtis que sempre determinaram o lugar de cada um. 

No fundo, Parasite, a meu ver, deixa claro que o poder é relativo e instável, tal como Foucault descreve, mas que isso não chega para alterar uma estrutura social profundamente enraizada e desigual. A desigualdade permanece como a força principal do conflito e mostra como, apesar dos esforços, há barreiras que não se ultrapassam apenas com estratégia ou vontade.

Tradução da Imagem: Entre o Olhar e a Palavra

A dificuldade em pensar uma imagem por meio das palavras (sobretudo a imagem artística, que não nasce para comunicar de forma direta ou utilitária) revela uma tensão fundamental entre o domínio visual e o verbal. Há imagens que parecem resistir a qualquer explicação. Não nasceram para falar, nasceram para ser vistas. Talvez seja por isso que transformá-las em palavras se torna um gesto tão delicado. Entre o que os olhos captam e o que a língua consegue dizer, abre-se um intervalo: um silêncio cheio, suspenso, onde o pensamento aprende a mover-se com cuidado.

As ideias de Saussure ajudam a compreender esta distância: a linguagem verbal caminha em linha (a linearidade do significante), passo a passo a percorrer o tempo, enquanto a visual se oferece inteira, de uma só vez. E assim, ao “traduzir” uma imagem para palavras, fazemos necessariamente uma travessia: deixamos o território do simultâneo para entrar no território do sequencial.

É neste espaço de passagem que Filomena Molder, em Palavras Aladas, no capítulo “Da Tradução”, lança luz. Para ela, traduzir não é transportar um sentido intacto, mas acolher aquilo que chega vulnerável, indeterminado. A tradução torna-se hospitalidade: uma mão que se estende àquilo que não lhe cabe totalmente. Talvez seja assim com as imagens, nunca as dizemos por completo, apenas lhes oferecemos um lugar onde possam pousar. Ao falar de tradução, Molder descreve a linguagem como um espaço que acolhe o indizível, que lhe dá asas. A palavra não pretende substituir o mundo sensível, mas tornar-se um lugar onde o sensível pode pousar, repousar e transformar-se.

John Berger (em Modos de Ver) lembra-nos que o ato de ver não é puro; é moldado por hábitos, memórias e expectativas. Ao escrever sobre uma imagem, não descrevemos apenas o que ela mostra: descobrimos o modo como aprendemos a olhar. E Martine Joly (em As Imagens e os Signos) acrescenta que a imagem, tal como a língua, também se constrói por códigos, embora os reconheçamos com o corpo antes de os reconhecermos com a mente.

Traduzir uma imagem não é capturá-la, é acompanhá-la. É aceitar que algo se perde, mas também que algo se ganha: uma outra respiração, uma nova forma de presença. Entre o olhar e a palavra, nada coincide, e mesmo assim, tentamos fazer uma quase ekphrasis. Talvez seja esse o milagre discreto da tradução: permitir que a imagem viaje, transformada, até ao lugar onde a linguagem se torna, por um instante, suficientemente ampla para a receber.