terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O poder do novo marketing da coca-cola


Quando a Coca-Cola lançou a campanha “Share a Coke”, com nomes próprios a substituírem o logótipo, eu nem sequer bebia Coca-Cola. Era um produto que não fazia parte do meu dia a dia, mas lembro-me de andar pelos corredores do supermercado à procura da lata com o meu nome, como se aquele pequeno objeto fosse, de repente, algo para mim. E é precisamente aí que percebemos a força desta campanha, e a sua capacidade de deslocar o foco do produto para o seu significado.

À primeira vista, parece apenas uma ideia criativa e divertida, mas, quando analisada , torna-se evidente que a Coca-Cola utilizou, de forma exemplar, a própria estrutura da significação visual para construir uma relação emocional com o consumidor.

Todas as imagens contêm uma mensagem linguística, que orientam a sua interpretação, e no caso da Coca-Cola este papel é desempenhado pelo nome próprio impresso na garrafa. Não é apenas tipografia: é um chamamento. A lata não diz “bebe-me”, diz “encontra-me”, “reconhece-te”. Eu, que não tinha qualquer hábito de consumo do produto, senti-me envolvida no jogo do reconhecimento, como se houvesse uma pequena missão pessoal naquele gesto de procurar o meu nome. Literalmente, a lata é só uma lata , e é a simplicidade da imagem que cria a sensação de naturalidade, como se fosse óbvio que o meu nome pudesse estar ali, pronto a ser descoberto. A dimensão conotativa, porém, é onde a campanha realmente ganha força: ativam-se valores culturais de pertença, individualidade, identidade e partilha. Procurar o nosso nome numa prateleira torna-se quase um rito contemporâneo, mesmo para quem, como eu, não consome o produto. E é exatamente isto, o modo como um objeto visual, aparentemente inocente, convence, convoca e constrói significados que ultrapassam o que mostra. A Coca-Cola transformou um refrigerante, que poderia ser apenas mais um produto descartável, num signo com carga emocional, capaz de mobilizar comportamentos e afetos. 

No fundo, a campanha funcionou porque tocou num ponto essencial: todos queremos ver-nos refletidos no mundo, mesmo que seja numa lata que nunca vamos beber. Nenhuma imagem é neutra — todas transportam um discurso, e às vezes esse discurso é tão eficaz que nos apanha desprevenidos, como aconteceu comigo, parada diante de um expositor, à procura de um nome que me confirmasse, de forma silenciosa, que aquela lata era, de alguma maneira, minha.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

A Integração da IA na Sociedade como ferramenta de Auxílio e Destruição

    O Chatgpt, que surgiu há precisamente três anos, trouxe consigo uma mistura de emoções e uma diversidade de opiniões. Ainda assim, não foi aceite uniformemente por todos como um modelo inteligente de acesso ilimitado. Recordo-me, no decorrer do primeiro ano desde a chegada desta plataforma, de observar que para alguns se tratava de uma invenção maravilhosa enquanto que outros continuavam a resistir à utilização da mesma. Existia uma apreensão geral na permissão do próprio utilizador em recorrer a um robô no dia a dia como algo tão banal como beber um café pela manhã. Para além dos receios conspiracionistas de que este chat iria saber e obter todas as nossas informações, existia ainda aquilo que agora parece ter-se evaporado: o receio do contacto entre o Homem e a Máquina. Este sentimento de apreensão e incerteza percorreu décadas acompanhando a evolução da tecnologia e, de certo modo, era uma forma instintiva de nos protegermos enquanto espécie, enquanto seres inteligentes. 

A chegada do Chatgpt foi mais um momento na história da nossa evolução em que recuámos antes de avançar com segurança. Mas as diferenças são significativamente maiores desta vez. Quando este modelo nos foi apresentado, a sua característica principal era a rapidez com que respondia às questões colocadas, quer fossem simples ou complexas, como uma receita para o jantar com os ingredientes que tenho em casa, quer fossem sobre filosofia e a fragilidade da vida ou a morte. Tudo isto nos trouxe uma falsa sensação de que nunca mais estaríamos sozinhos. 

O primeiro argumento apresentado para ajudar a dissipar a ideia de Máquina Maléfica que irá dominar o Mundo, foi explicar de que forma foi criada. Antes de mais, foi criada por nós e por isso poderá ser eliminada por nós (algo que hoje já não parece tão certo), e foi programada por humanos para responder a questões servindo-se de toda a informação que consegue encontrar online, desde sites, livros, filmes, imagens, música, tudo o que na verdade foi uma criação nossa e por isso responderá de forma semelhante a nós. Deste modo, a IA passou de uma ideia geral de medo e controlo para uma utopia do progresso. Na base desta discussão, existem inúmeros argumentos e exemplos de como ter inteligência artificial inserida de forma orgânica no quotidiano nos pode trazer benefícios. Na área da saúde, em análise de dados com menor margem para erros, para prevenir acidentes e catástrofes, para aumentar a segurança, etc. Mas todos estes argumentos prolongam o acesso irrestrito à mesma, como se não pudesse ainda representar uma ameaça. 

A total ausência de regulamentação para a utilização desta ferramenta fez com que a mentira passasse a ser verdade e, consequentemente, que essa verdade passaria a ser cada vez mais difícil de se provar mentira. Chegar ao ponto em que enquanto sociedade devemos duvidar de tudo antes de acreditar no que quer que seja, levou-nos para uma nova dimensão de problemas com os quais nunca tínhamos lidado anteriormente. A identidade deixou de ser construída por experiências, pelo acesso livre à arte, por caminhos que queremos percorrer porque nos parecem mais justos. A chegada da IA é uma ameaça ao pensamento crítico e individual. 

A dualidade deste fenómeno não nos permite tomar posições ou até mesmo decisões porque a resolução dos problemas que surgiram estão nas mãos de quem a criou. A extensão destes mesmos problemas corroeu o que era necessário em nós para a combater. Do ponto de vista metafórico, não existe diferença entre uma arma nuclear e a inteligência artificial. A IA sempre foi uma bomba prestes a explodir, uma descoberta fascinante que pode não passar de um erro disponível para todos, como um presente envenenado.