O princípio da linearidade do significante, formulado por Ferdinand de Saussure, estabelece que o significante, a componente material do signo, se desenrola sempre numa cadeia temporal, sequencial e unidimensional. Esta linearidade não é apenas uma condição estrutural da linguagem, mas também uma condição de inteligibilidade, ou seja, só conseguimos produzir sentido ao ordenar elementos numa sucessão coerente. Para este segundo momento decidir utilizar Poor Things, filme do realizador grego Yorgos Lanthimos, na qual este principio formulado por Saussure torna-se particularmente relevante, uma vez que tanto a construção narrativa como a própria constituição identitária de Bella Baxter desafiam precisamente esta linearidade tradicional.
Bella é uma figura cuja existência descontrói qualquer cadeia narrativa convencional. A sua história não se organiza numa progressão linear típica começando no nascimento, crescimento e amadurecimento mas sim numa recomposição radical, na qual já nasce adulta, com uma consciência que se desenvolve de forma acelerada, fragmentada e descontínua. Assim, a personagem encarna uma espécie de quebra da linearidade do significante, pois aquilo que deveria constituir uma sequência temporal estável é substituído por saltos abruptos de aprendizagem, desejo e linguagem. A fala de Bella inicialmente rudimentar, depois extraordinariamente articulada, demonstra esta tensão entre linearidade estrutural e expansão desordenada do significado. A evolução linguística não segue um percurso gradual, mas sim uma explosão sem continuidade previsível.
Por outro lado, esta obra também mostra como a sociedade procura impor cadeias lineares normativas, a sequência esperada de comportamentos femininos, sexuais e sociais. Bella resiste a esta cadeia, recusando a narrativa feminina convencional e reclamando uma liberdade que rompe com a ordem simbólica dominante. A linearidade do significante, enquanto metáfora estrutural, permite perceber como a linguagem e a norma tentam por Bella num percurso normativo, enquanto a sua própria vida, sexual, intelectual e emocional, insiste numa não-linearidade radical. Poor Things torna-se, assim, uma reflexão sobre a possibilidade de reinventar o próprio significante de si, para além das linhas que a sociedade impõe.
